Se falar da crise não resolve nada, ignorá-la resolve menos ainda

Nova onda de demissões nas empresas. Três anos seguidos de recessão. O maior escândalo de corrupção do país. Rombos bilionários; saúde, educação e programas sociais comprometidos. Corte de orçamento. Inflação. Epidemias.

E vou parar de jogar os dados e também de fazer chacota com as autoridades responsáveis pela crise. Afinal, conhecidos e desconhecidos, não digo os nomes, ficam incomodados com a realidade desnudada.

Durante anos as discussões foram feitas nesses termos: abria a boca e dizia “olha a crise se aproximando” para em seguida ouvir “não é bem assim”. Depois abria a boca novamente e soltava “olha o prejuízo imenso nos bancos públicos”, emendando “essa conta vai chegar” para em seguira ser chamado de alarmista.

Acusavam qualquer um que fazia oposição ao governo - responsável pela pior crise em décadas - de ser alarmista. Havia sim muita gente desesperada. A maioria não era alarmista, apenas não tapava os olhos e ouvidos para os dados que iam aparecendo.

Ao tapar os olhos e ouvidos, fica fácil inventar as narrativas mais absurdas. E fica fácil as narrativas mais absurdas se espalharem e serem aceitas; dá para manobrar legal os convertidos.

Evento na FFLCH, meses atrás: “Por que Moro tem tanto poder? Porque serve a dois objetivos: entregar o pré-sal para companhias norte-americanas de petróleo e enfraquecer o Mercosul.”

A graça foi ter de ouvir esse tipo de coisa de uma professora da USP. Muitos professores, filósofos e colunistas procurando um inimigo de fora, um responsável pela crise, quando esta já não podia mais ser ignorada.

Nada disseram das autoridades, dos sucessivos erros na economia, nem das maquiagens das contas públicas, nada. O bom de quando uma narrativa absurda já vem pronta é que você não precisa perder tempo tentando entender o que realmente aconteceu. E pode ir ler um gibi.

Quantas vezes não ouvi que apontar os problemas não ajudava nada - como se ignorar a realidade, durante anos, não fosse pior, muito pior.

A realidade, como se sabe, incomoda. A realidade pinica e solta bolinhas. Mais fácil manter-se firme nas crenças mais absurdas. Mais fácil viver numa bolha e se afastar dos amigos e conhecidos “alarmistas”. Feliz é o sujeito que se isola num mundo próprio e vive de notinhas absurdas que sustentam suas teorias.

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Foto: Flickr/Anderson Mancini