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Thiago Fragoso conta que Caíque, de ‘Travessia’, foi inspirado em caminhoneiro assexual: ‘Pedi licença, fiz perguntas íntimas’

Casado há quase 19 anos com a atriz Mariana Vaz, Thiago Fragoso confessa: não é do tipo que lhe manda flores com frequência. As demonstrações de afeto ficam subentendidas em detalhes do cotidiano do casal.

— Sou eu quem faz a nossa cama, diariamente, por exemplo. Sei exatamente a posição dos travesseiros que ela gosta pra dormir, arrumo direitinho o espaço pra ela poder se achegar. Temos um jeito especial de encostar um no outro, de fazer carinho... — detalha o ator, de 41 anos: — Romantismo é algo idealizado. Você respeitar a pessoa, admirá-la e conhecê-la a fundo mostra o seu sentimento mais verdadeiro. Não dou anel de diamante, mas demonstro dar valor no dia a dia.

Pra ele, amor e sexo precisam caminhar lado a lado e na mesma medida para um relacionamento ser satisfatório:

— Considero sexo muito importante. Se falta numa relação amorosa, não faz sentido, acaba virando amizade. Acho que ele precisa ocupar pelo menos 40% do relacionamento.

Essa é a opinião e o desejo de Fragoso, o intérprete, vale frisar. Caíque, seu personagem em “Travessia”, pensa e sente diferente. Assexual romântico, ele se envolve emocionalmente com outras pessoas, mas sem interesses carnais. Na novela das 21h da TV Globo, o instrutor de voo se encantou por Leonor (Vanessa Giacomo), mas nunca quis levá-la para a cama. E isso acabou por afastar os dois.

— Leonor nunca teve um relacionamento positivo, os homens sempre foram tóxicos. Em Caíque, ela encontrou um cara adorável, que levanta o seu astral, a diverte, parecia perfeito para todas as suas expectativas. O único senão é que ele não a satisfaz sexualmente — explica o ator, propondo a reflexão: — Esse casal da ficção é interessante porque faz pensar que nem sempre a gente tem tudo o que quer na vida. Até que ponto as pessoas estão dispostas a entrar num acordo, a limitar a sua satisfação sexual em função de um grande afeto? Pensando bem, eu acho que toparia um amor assim... Não é algo para se descartar de cara. Se Mariana fosse assexual, eu ia continuar querendo compartilhar a vida com ela nesses 18 anos. Com pouco ou nenhum sexo, da forma que fosse.

Mais de duas décadas após viver um dependente químico em “O clone” (2001), Fragoso volta a trabalhar numa obra de Gloria Perez, levantando um debate relevante na TV aberta:

— As novelas da Gloria têm sempre essa parte do marketing social, que eu considero muito importante. A assexualidade é desconhecida e rejeitada, mesmo dentro da comunidade LGBTQIAP+. As pessoas têm preconceito porque a gente vive numa sociedade extremamente sexualizada. Tudo passa, senão pelo sexo em si, pela promessa de: a sedução, a sensualidade...

Para entender o tema e poder apresentá-lo com propriedade, num primeiro momento o ator conversou com um homem da vida real em quem a autora se baseou para construir Caíque.

— A dramaturgia tem pouca coisa sobre a assexualidade. Havia uma preocupação da Gloria em mostrar que o assexual não é baixo-astral, triste. Eu concordo com ela, seria muito ruim se a gente levasse por esse lado. São pessoas de vida normal, que se divertem, têm seus amigos. Não são coitadinhos deprimidos. É claro que pode rolar uma tristeza pela falta de encaixe na sociedade, mas não é regra — detalha: — Então, ela me colocou em contato com Marcos. Conversei muito com esse cara. Pedi licença, fiz perguntas íntimas. Ele é caminhoneiro, uma profissão de homens um tanto broncos. Imagina ser assexual vivendo nesse meio? Marcos me contou que sofreu a vida inteira com humilhações. Já ouviu até de mulheres que “se homem não serve pro sexo, não serve pra nada”.

Até então, na televisão, o assunto já havia sido abordado no “Big Brother Brasil 20”, pelo participante Victor Hugo. Então psicólogo e com 26 anos, o maranhense se mostrou encantado no reality pelo modelo Guilherme Napolitano, se declarou virgem e disse que se identificava como assexual. Anos antes, em 2009, “Malhação ID” apresentou ao público-alvo teen o personagem Alê (William Barbier), que se descobriu assexuado e disse não ter interesse nem em homens nem em mulheres.

— Depois da conversa com Marcos, que foi muito esclarecedora, eu quis me aprofundar no tema e parti para os livros. Tem um maravilhoso, de um escritor canadense, que me fez entender a complexidade da assexualidade, que é só um espectro. Há diversas variações dessa orientação. Existem os assexuais estritos, que não têm interesse em sexo. Esses podem ter aversão, serem indiferentes ou até considerarem o sexo positivamente. Se tiverem alguma interação, podem ser classificados como heterossexuais, homossexuais ou bissexuais. Isso é só relativo a um lado do cérebro. Do outro, os assexuais podem ser românticos ou arromânticos. Arromânticos não sentem falta nem querem se relacionar com ninguém. Já os românticos, caso do meu personagem, podem ser heterorromânticos, homorromânticos ou birromânticos. E todas essas possibilidades podem ser combinadas de várias formas possíveis — esmiúça Fragoso, ressaltando: — A sexualidade humana é extremamente plural. O “A” faz parte da sigla LGBTQIAP+, e a sociedade precisa ter curiosidade e interesse em conhecer o que cada uma dessas letras representa. As pessoas dessa comunidade sofrem porque não encontram o seu lugar socialmente. Isso é muito sério.

Numa terceira etapa, o carioca foi buscar mais informações pelas redes sociais. No Facebook, passou a integrar um grupo de debates sobre a assexualidade, do qual Gloria Perez também faz parte.

— O grupo tem uma moderadora, justamente por tratar de um assunto tão pouco conhecido e cercado tanto por preconceitos quanto por fantasias. Depois da cena em que Caíque falou para Leonor que era assexual, essa moderadora contou que ficou duas madrugadas inteiras acordada. Foi uma enxurrada de gente querendo entrar no grupo porque tinha se descoberto, tentando entender mais. Brotaram comentários do tipo: “Ah, então eu não tenho nenhum problema, é só uma orientação sexual. Se eu soubesse disso desde os meus 18 anos, teria sido mais feliz” — relata o ator, orgulhoso por ter a oportunidade de levar conhecimento a milhões de pessoas Brasil afora: — É impressionante e emocionante ver pessoas com 60 anos ou mais se reconhecendo depois de décadas sem saber quem eram. Esse é o lado mais precioso, mais nobre da profissão de ator: poder retratar situações que precisam ser pensadas e repensadas, trazer conscientização. Através desse trabalho, temos conseguido criar alívio, dar espaço e voz a quem sofre.

Assim, o ator acabou por se tornar uma espécie de referência no tema, aos olhos do público da novela. Do próprio elenco de “Travessia” aos fãs e anônimos na internet e nas ruas, ele tem ouvido questionamentos e tentado esclarecer dúvidas sobre a assexualidade. E vem se surpreendendo com o nível de falta de informação alheia.

— Não sou especialista, mas tenho tentado informar, na medida do meu alcance. Um dia, uma menina me perguntou se o cara que é viciado em sexo é o oposto do assexual. Não tem por que fazer essa comparação. A pessoa que é viciada em sexo tem uma patologia. Isso é um desvio, tratável. A assexualidade não é uma condição, é uma orientação sexual legítima. Não existe essa de dar hormônio e resolver o problema. Até porque o assexual não tem nenhum problema, o corpo dele funciona perfeitamente. Ele pode ter ereção e querer se masturbar. Isso faz parte da vida de alguns. Não passa pelas fantasias sexuais, é mais uma relação com o próprio corpo, de se libertar de uma angústia, de um incômodo — ensina Fragoso.

Outro comentário que lhe chamou atenção na internet foi sobre a interação de Caíque com Rudá (Guilherme Cabral). Na história, o personagem de Fragoso tem sido um ombro amigo, conselheiro do sobrinho de sua amada, Leonor. Cheio de conflitos internos, o adolescente vem se entendendo como assexual estrito.

— Uma moça disse que queria muito que Caíque e Rudá ficassem juntos, formassem um casal. Eu respondi: “Desculpa, mas você não tem a menor noção do que acabou de falar. Nenhum dos dois personagens é homossexual. Além disso, Rudá é assexual estrito. Não faz o menor sentido essa torcida”. As pessoas correlacionam assexuais a gays, “brochas”... São estigmas totalmente errados — alerta.

Caíque não é o primeiro personagem da comunidade LGBTQIAP+ interpretado por Fragoso. Quem acompanha as mais de três décadas de carreira do ator certamente vai se lembrar do Niko de “Amor à vida” (2013), rapaz sensível e educado que acabou se envolvendo com o vilão Félix (Mateus Solano) e com ele teve um final feliz. Em cena, Fragoso e Solano fizeram história ao protagonizar o primeiro beijão entre homens em novelas da Globo.

— Com “Amor à vida”, a gente achou que tinha dado um passo enorme em relação à compreensão, para evitar o preconceito, a homofobia. Só que, pouco tempo depois, descobrimos que não tinha sido nada disso. Em “Babilônia” (2015), o beijo entre Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg foi atacado. Teve, inclusive, um movimento político orquestrado por Eduardo Cunha, na época, no Congresso, pedindo um boicote à novela por causa desse carinho entre duas senhoras no primeiro capítulo. E o pior: funcionou. Virou o clássico “não vi e não gostei”. Ficou claro que o Brasil é muito conservador, sim, e que Niko e Félix conquistaram o público pelos personagens carismáticos que eram, e não pela bandeira que levantavam. Até porque não houve da parte do Walcyr (Carrasco, autor da novela) um discurso panfletário de aceitação aos gays. Os dois eram, obviamente, homossexuais, e a gente acompanhava com interesse a vida desses caras. Tinha até uma brincadeira que dizia que Niko era a mocinha da novela, porque sofria muito: era traído pelo marido, pela melhor amiga, roubavam o filho dele... Foi um papel muito legal de fazer. Na época, a gente conseguiu gerar diálogo, muitas pessoas se assumiram para as suas famílias e foram aceitas como são — analisa.

Ao comparar Niko e Caíque, Fragoso afirma que ambos sofrem preconceito, mas em intensidade e amplitude diferentes.

— O preconceito contra homossexuais é muito forte, mas não extenso. Contra o assexual, é extenso e não muito forte. O assexual não vai ser colocado pra fora de casa, não vai ser agredido fisicamente pela orientação dele. Mas a aversão é tão ampla, que eles não são aceitos nem dentro da comunidade LGBTQIAP+. A maioria não entende alguém que não sinta atração sexual. Pensam assim: “Você pode gostar de homem, de mulher, dos dois e até de árvore, mas de alguma coisa você tem que gostar. Senão, tem algum problema”. Reforço: não é um problema, é uma orientação sexual — sublinha o ator, contando: — Niko era facilmente compreendido e amado. Eu não sofri preconceito nenhum durante “Amor à vida” na pele dele. Já por causa de Caíque, escutei que o desinteresse dele é culpa da Leonor, que seria só ele tomar uma cachacinha do Nordeste para se “curar”, que resolveria tudo com Viagra... É muita ignorância do povo!

Quem acabou atingido, indiretamente, pela homofobia na época de “Amor à vida” foi Benjamin, o primogênito de Thiago Fragoso e Mariana Vaz. Com apenas 3 anos na época, o menino ouviu de um coleguinha na escola que o pai dele ia bater no seu por causa do que fazia na novela. Hoje, aos 12 — completados na última quarta-feira, 1º de fevereiro, mesmo dia do aniversário da mãe —, o garoto começa a conversar com Fragoso sobre sexualidade:

— Ben já entrou em contato com muitas coisas que o deixaram perturbado. As crianças de hoje em dia estão muito precoces, por causa da internet. Até então, eu e Mari não permitíamos celular. Agora, ele começou a usar, mas sabe que não pode acessar rede social, que uma vez por semana eu vou fiscalizar tudo. Meu filho ainda é muito crianção, sabe? Só quer saber de videogame. Não assiste à novela, não faz ideia do que trata o meu personagem. Ele ainda não demonstra vontade de ficar com ninguém, não tem excitação romântica nem sexual. Preciso respeitar as etapas de amadurecimento dele, mas não posso ser negligente com assuntos que ele já precisa saber.

Quando adolescente, Fragoso só conversava sobre sexo com os amigos da mesma faixa etária que a dele:

— Eles me incentivavam a chamar as mulheres de gostosas, mas eu dizia que eram bonitas. Achava um desrespeito. Desenvolvi o romantismo antes da sexualidade. Lembro que minha mãe me deu um livro chamado “Sexo para adolescentes”, da Marta Suplicy. Superlegal, só que ficou ultrapassado. No início da década de 90, o assunto era abordado de um jeito, agora é totalmente diferente. Meu pai e minha mãe falavam por alto comigo: “Meu filho, você sabe que tem que usar camisinha, né?”. Mas nunca me ensinaram como. Espero fazer diferente com meus filhos (além de Ben, ele tem Martin, de 2 anos e 9 meses).