Quanto comer carne custa ao mundo e como a agricultura 4.0 pretende reduzir esse dano
IndĂșstria da carne Ă© uma das que mais impactam o planeta em termos ambientais;
Uso de drones e programas computacionais irĂĄ reduzir desperdĂcios na cadeia produtiva;
Novas tecnologias podem ainda ajudar a mapear casos de desmatamento, e desvincular produtores de empresas.
A produção de carne é uma das atividades mais intensas e que mais demandam recursos na economia global. Dados da Organização das NaçÔes Unidas para Alimentação e Agricultura estimam que quase 30% de toda årea mundial é utilizada para a produção de gado, pastagens e ração. Em comparação, a årea utilizada por outros plantios é de 7%, enquanto a ocupada por centros urbanos, cidades e outras formas de infraestrutura é de apenas 1%.
Esse nĂșmero jĂĄ demonstra o desafio que Ă© alimentar o planeta com proteĂna animal, seja carne de vaca, frango, peixe, carneiro e ovos. Nos Ășltimos anos, no entanto, com a ascensĂŁo da classe mĂ©dia em paĂses da Ăfrica e da Ăsia, especialmente a China, aumentou ainda mais a demanda do setor agropecuĂĄrio mundial, que se vĂȘ com um nĂșmero de consumidores que aumenta mais e mais com o passar dos dias.
Por outro lado, ambientalistas, polĂticos e membros da sociedade civil pedem pela redução imediata de impactos no meio ambiente. SĂł no Brasil, um dos maiores produtores de carne do mundo, temos visto um aumento cada vez maior das taxas de desmatamento das matas nativas. Em 2021, segundo dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da AmazĂŽnia, foram perdidos o equivalente a 13 mil kmÂČ de mata virgem, o equivalente a 216 campos de futebol por hora.
De acordo com Marc Dourojeanni, ao contrĂĄrio do que se pensa, a maior parte desse desmatamento nĂŁo Ă© feito por grandes conglomerados alimentĂcios, mas sim por pequenos agentes que agem a partir da informalidade. De acordo com o pesquisador, um estudo recente demonstrou que 75% do desmatamento anual no Peru Ă© realizado em propriedades pequenas, com menos de meio hectare.
Ou seja, nĂŁo Ă© uma atividade que explicite envolvimento de grandes empresas, ainda mais quando se contabiliza o fato de que esses biomas, AmazĂŽnico no caso do Peru e do Brasil, ou Cerrado no caso somente do Brasil, possuem um solo pobre, intemperizados e que nĂŁo aguentam o desmatamento para servir de pastagem.
Custos da produção animal
Apesar de grandes empresas nĂŁo estarem diretamente conectadas a danos ambientais criminosos, a produção agropecuĂĄria ainda Ă© uma atividade danosa ao meio ambiente. Dados apontam que nĂŁo sĂł o setor Ă© responsĂĄvel por 14,5% da emissĂŁo de gases de efeito estufa, mas a utilização de agrotĂłxicos e antibiĂłticos causam tambĂ©m grandes danos Ă saĂșde humana, seja Ă exposição direta ou indiretamente pelo consumo.
A criação de gado tambĂ©m utiliza cerca de 23% de toda ĂĄgua disponĂvel para consumo no planeta e 30% da energia gerada mundialmente. Todo esse gasto, no entanto, representa apenas 15% das calorias do prato do brasileiro, e 13% do prato do americano.
Como forma de aliviar todos esses impactos à natureza, grandes empresas vem se utilizando cada vez mais de desenvolvimentos tecnológicos em suas linhas de produção, desde o produtor até o consumidor final.
Agricultura 4.0
NĂŁo Ă© de se surpreender que as mesmas tecnologias que permitem facilidades digitais em nossas vidas, seja atravĂ©s do acompanhamento de nossa saĂșde em um smartwatch ou ao pedir um carro por aplicativo, tambĂ©m deem a fazendeiros e pecuaristas maiores recursos e benefĂcios na hora de manejar suas plantaçÔes e gados.
Chamada de Agricultura 4.0, essa revolução tecnolĂłgica permite aos agropecuaristas uma maior agilidade e autonomia para resolver problemas, maior conectividade com sistemas e ferramentas digitais, como chips e drones, e melhor controle quanto aos processos produtivos. O resultado disso Ă© uma redução do desperdĂcio de insumos e a possibilidade de criar açÔes voltadas Ă sustentabilidade de suas empreitadas.
Esse conjunto de tĂ©cnicas difere de inovaçÔes passadas. Pode-se dizer que a Agricultura 1.0 Ă© aquela feita Ă mĂŁo, sem dispor de muitos recursos tecnolĂłgicos e geralmente voltada Ă subsistĂȘncia.
JĂĄ a 2.0 se deu com o final do feudalismo na Europa e a reorganização da estrutura dos campos. Isto Ă©, com a perda dos campos comuns e o cercamento das terras. A agricultura 3.0, por sua vez, se deu com a chegada da revolução verde e com a introdução de insumos industrializados e do maquinĂĄrio agrĂcola. Ela ficou marcada tanto por processos como automação e o inĂcio da coleta de dados, com a agricultura de precisĂŁo, quanto por sistemas de irrigação e maquinĂĄrios como tratores e colhedoras.
"De certa forma, a segunda e a terceira revoluçÔes continuam em andamento com maior ou menor intensidade em diferentes partes do globo" afirma Davi Bungenstab, especialista em sustentabilidade da Embrapa Gado de Corte.
Agora, com a agricultura 4.0, esses processos iniciados da agricultura 3.0 ficaram ainda mais disponĂveis para os agropecuaristas. Se antes era preciso um investimento alto para poder contar tanto com a ajuda de agrĂŽnomos, quanto com a tecnologia de precisĂŁo, agora com um smartphone na palma da mĂŁo tem-se acesso a quase todos os mesmos processos e ainda outros, como ferramentas de gestĂŁo, drones e computação em nuvem. Outro marco dessa nova etapa Ă© a chegada da inteligĂȘncia artificial e do aprendizado de mĂĄquina para o mundo agrĂcola.
"A agricultura 4.0 base-se essencialmente em trĂȘs pilares: uso de sensores com forte ĂȘnfase em IoT (Internet das Coisas),inteligĂȘncia ar%'cial (IA) e âbig dataâ que Ă© a exploração de grandes bases de dados", disse Bugenstab.
Ela permitirĂĄ que os produtores possam reduzir ainda mais os custos de produção, aproveitando os insumos e evitando desperdĂcios, elevem a produtividade do solo graças Ă coleta de dados e possam agir rapidamente a problemas, como pragas ou falta de nutrição no solo graças a conectividade entre um celular e um maquinĂĄrio.
Drones, chips e satélites
à justamente através dessas novas tecnologias trazidas pela agricultura 4.0 que grandes empresas e instituiçÔes de pesquisa estão buscando métodos para reduzir os impactos ambientais da produção agropecuåria. A ideia é desde o repasse desses avanços tecnológicos ao produtor, até a implementação de melhorias no produto final para o consumidor.
A Cargill, lĂder mundial no setor, traz iniciativas digitais tanto para suas linhas de produção de grĂŁos quanto de gado. Uma das mais interessantes Ă© o Cargill CattleView, que se encontra em fase de testes em trĂȘs fazendas brasileiras nesse momento, com cerca voos diĂĄrios em 220 currais diferentes.
O CattleView utiliza drones, computação em nuvem, visĂŁo computacional e inteligĂȘncia artificial para fornecer uma sĂ©rie de informaçÔes ao pecuarista que o ajudam a tomar decisĂ”es que visam o melhor manejo e bem-estar do gado.
"Essa tecnologia apresenta carĂĄter disruptivo para o setor, uma vez que o mĂ©todo atualmente utilizado para monitorar e tomada de decisĂŁo Ă© realizado de forma subjetiva e depende da experiĂȘncia do tratador e sua disciplina em visitar toda a extensĂŁo dos currais regularmente, deixando uma margem muito grande para erros e consequente ineficiĂȘncia", afirmou a empresa.
A Marfrig Ă© outra empresa que aposta no repasse de tecnologia ao produtor para melhorar a qualidade e reduzir impactos da produção. AtravĂ©s da plataforma de rastreabilidade Conecta, que realiza o monitoramento via satĂ©lite dos produtores em Mato Grosso e em RondĂŽnia, a empresa consegue cruzar informaçÔes sobre os produtores e dados pĂșblicos para verificar a presença de desmatamento em suas linhas de produção.
Um dos grandes diferenciais da tecnologia é que ela é descentralizada, sendo baseada em blockchain, podendo ser utilizada também pelos produtores de carne da Marfrig para verificarem seus fornecedores de insumos e ver se estão de acordo com as pråticas de combate a irregularidades da empresa.
A Embrapa, uma das maiores desenvolvedoras de tecnologia para o setor agropecuårio brasileiro, também tem iniciativas nesse setor. O AgroTag, por exemplo, desenvolvido pela Embrapa Meio Ambiente e pelo Instituto Eldorado, é um ecossistema digital colaborativo onde empresas, instituiçÔes e sociedade podem realizar o acesso e troca de dados geoespaciais.
"Temos exemplos pråticos da utilização do AgroTag no campo em locais remotos, envolvendo, por exemplo, demandas do Governo do Parå no interior daquele estado, o AgroTag Parå, bem como na AmazÎnia Legal, AgroTag Manejo Florestal e Extrativismo (MFE)", afirmou Luiz Vicente, pesquisador do Embrapa Meio Ambiente.