Por que demonstrar estresse e ansiedade pode melhorar sua imagem
Como ocorre com muitas pessoas, falar em pĂșblico costumava me encher de pavor. Sou escritor e me sinto muito mais confortĂĄvel expressando-me por escrito e nĂŁo no palco.
Mas, curiosamente, percebi que o sentimento de ansiedade em si é perfeitamente toleråvel. O que me preocupava eram as formas como as pessoas receberiam minha energia nervosa - aquela leve oscilação da voz, o morder inconsciente dos låbios...
Eu achava que seria severamente julgado por qualquer sinal não verbal que revelasse minha falta de confiança. Eu ficava ansioso com a minha ansiedade - um duplo golpe de preocupação que fazia o evento parecer muito mais assustador.
VocĂȘ pode jĂĄ ter sentido o mesmo antes de uma entrevista de emprego ou de uma reuniĂŁo de trabalho importante com os chefes. E, quanto mais vocĂȘ tentar suprimir seus sentimentos, mais força eles ganham.
Mas um novo e surpreendente estudo concluiu que essas preocupaçÔes podem ser infundadas. Jamie Whitehouse, pesquisador da Universidade Trent de Nottingham, no Reino Unido, demonstrou que sinais visĂveis de estresse sĂŁo muitas vezes positivos e deixam as pessoas predispostas a gostar de nĂłs e a nos tratar com carinho.
Se isso for verdade, nĂŁo precisamos nos preocupar tanto em manter uma expressĂŁo calma e impassĂvel, como se estivĂ©ssemos jogando pĂŽquer - com a segurança de que as pessoas aceitarĂŁo bem nossa autenticidade emocional.
Macacos magnĂąnimos
O interesse de Whitehouse pelo estresse é baseado na teoria da evolução.
O estresse Ă© tipicamente acompanhado por diversas mudanças fisiolĂłgicas internas que nos ajudam a preparar o corpo para enfrentar um desafio. O coração acelerado, por exemplo, ajuda a fornecer oxigĂȘnio para o corpo e para o cĂ©rebro, o que nos permite reagir com mais velocidade.
Ă fĂĄcil ver por que essas mudanças sĂŁo o resultado de adaptaçÔes. Muitos primatas, quando estĂŁo estressados, tambĂ©m revelam comportamentos caracterĂsticos de "deslocamento" â como coçar nervosamente a pele, por exemplo. Esse tipo de comportamento nĂŁo parece servir para nenhum propĂłsito Ăłbvio ao lidar com a situação que causa o desconforto. EntĂŁo, por que a evolução os levou a fazer isso?
Uma possibilidade é que esse comportamento ajude a amenizar as interaçÔes sociais com o grupo.
Os grupos de primatas, muitas vezes, sĂŁo complexos, com alianças entre seus membros e hierarquias estabelecidas. Encontrar um indivĂduo potencialmente hostil pode ser uma importante causa de estresse.
Os comportamentos de deslocamento podem agir como sinais sutis que demonstram esse desconforto, reduzindo o risco de confrontos desnecessĂĄrios. Afinal, para os indivĂduos com posição hierĂĄrquica superior, os rivais mais arrogantes podem ser os que mais precisam de uma lição de humildade - e nĂŁo necessariamente aqueles que jĂĄ estĂŁo agitados.
Em 2017, Whitehouse encontrou evidĂȘncias iniciais que apoiam essa ideia. Observando um grupo de 45 macacos rhesus em Punta Santiago (Porto Rico), ele concluiu que os macacos apresentavam tendĂȘncia a se coçarem mais de nervoso quando estavam entre indivĂduos hierarquicamente superiores e com relativos estranhos, com quem ainda nĂŁo tinham fortes conexĂ”es sociais. Como resultado, isso parecia mudar a natureza da interação, com o outro macaco demonstrando comportamento mais gentil.
Atraindo a atenção
Inspirado por essa descoberta, Whitehouse decidiu verificar se os sinais de estresse dos humanos tambĂ©m poderiam alterar as reaçÔes dos indivĂduos a nosso favor - talvez com reaçÔes empĂĄticas.
AlĂ©m do coçar da pele exibido por outros primatas, os seres humanos tĂȘm muitos comportamentos sutis associados Ă ansiedade, que incluem tocar o rosto e os cabelos, torcer a boca, lamber os lĂĄbios e morder as unhas. Todos eles poderiam indicar nossa sensação de vulnerabilidade e evocar reaçÔes mais gentis dos demais.
Para descobrir se isso Ă© verdade, a equipe de Whitehouse começou pedindo a 23 participantes do estudo que fizessem o "Teste de Estresse Social" â uma rotina indutora da ansiedade, na qual os participantes precisam passar por uma entrevista de emprego falsa, com uma apresentação de trĂȘs minutos demonstrando por que eles sĂŁo os candidatos ideais e um teste de aritmĂ©tica mental no prĂłprio local.
Pediu-se entĂŁo a outros 133 participantes que avaliassem vĂdeos das entrevistas falsas, com perguntas sobre o nĂvel de estresse aparente de cada pessoa e o quanto eles gostavam das pessoas a quem estavam assistindo. Paralelamente, psicĂłlogos contavam quantas vezes os participantes demonstraram sinais nĂŁo verbais de estresse.
Como era esperado, as pessoas que avaliaram os vĂdeos conseguiram prever o nĂvel de estresse dos entrevistados, aparentemente devido a esses sinais nĂŁo verbais caracterĂsticos. E o mais importante foi que essas percepçÔes influenciaram â para melhor â a avaliação do quanto os entrevistados eram agradĂĄveis. Quanto mais os entrevistados demonstravam sinais de estresse, mais cativantes eles eram para as pessoas que assistiam aos seus vĂdeos.
"Isso nos informa que esses comportamentos não são apenas subprodutos sem sentido do estresse, mas realmente possuem funçÔes comunicativas", afirma Whitehouse.
Rosto vermelho
O estudo de Whitehouse alinha-se a experimentos que examinam os efeitos causados por alguém que fica corado de vergonha.
Muitas pessoas sentem-se desconfortĂĄveis quando sua sensação de vergonha Ă© apresentada de forma tĂŁo aberta â mas, como as expressĂ”es nervosas estudadas por Whitehouse, nossos rostos vermelhos, na verdade, podem melhorar a forma como somos percebidos pelos demais.
Um exemplo é o recente estudo de Christopher Thorstenson, professor do Instituto Rochester de Tecnologia no Estado de Nova York, nos Estados Unidos. Em uma série de experimentos, Thorstenson apresentou fotos de pessoas envergonhadas com legendas descrevendo situaçÔes sociais constrangedoras.
O pesquisador entĂŁo perguntou aos participantes sobre as reaçÔes das pessoas. Por exemplo, "vocĂȘ descobre que essas pessoas estĂŁo mentindo â qual rosto parece mais envergonhado?" e "essas pessoas estĂŁo pedindo desculpas por terem fraudado um teste â qual pedido de desculpas parece mais sincero?"
Thorstenson descobriu que um rosto levemente ruborizado aumentava a avaliação de vergonha e sinceridade dos participantes e tornava mais provåvel que a pessoa fosse perdoada pela transgressão. "Ele sinaliza pacificação para os demais", afirma ele.
E, ao contrĂĄrio das outras indicaçÔes nĂŁo verbais, como as expressĂ”es faciais, o rosto vermelho nĂŁo pode ser fingido com facilidade. Por isso, ele Ă© considerado sinal de honestidade, o que, por sua vez, torna vocĂȘ mais agradĂĄvel.
Seja mordendo os lĂĄbios de nervoso ou brilhando como um letreiro luminoso, pode valer a pena mostrar um pouco de autenticidade emocional.
Sinais despercebidos
Leah Mayo, professora do Centro de NeurociĂȘncias Sociais e Afetivas da Universidade de Linköping, na SuĂ©cia, ficou intrigada com os resultados obtidos por Whitehouse. Suas pesquisas examinaram as expressĂ”es faciais caracterĂsticas associadas ao estresse e ela suspeita que as reaçÔes das pessoas aos nossos sinais nĂŁo verbais dependem do contexto.
Quando alguĂ©m dĂĄ uma palestra ou faz uma apresentação, por exemplo, os motivos por que podemos estar nos sentindo nervosos sĂŁo Ăłbvios â e esse conhecimento da situação leva a outra pessoa a sentir mais empatia. "Neste caso, vocĂȘ poderĂĄ receber uma reação de proteção", concorda ela.
Mas a reação pode não ser a mesma se alguém nos vir carrancudos e tremendo no escritório, sem fazer ideia da fonte das nossas preocupaçÔes, segundo Mayo. Nessas situaçÔes, os observadores podem facilmente confundir os sinais de estresse com hostilidade ou raiva e podemos precisar explicar melhor para ajudå-los a ler as indicaçÔes corretamente.
Claramente, precisamos ter cuidado ao fazer generalizaçÔes muito amplas dessas pesquisas. Mas Whitehouse espera que o seu estudo possa ao menos oferecer um alĂvio para pessoas nervosas com uma apresentação ou entrevista de emprego, que Ă© o contexto especĂfico do seu estudo.
"Uma bela conclusĂŁo dessa pesquisa Ă© que, Ă s vezes, nĂŁo hĂĄ problema em estar e parecer estressado", afirma ele. "VocĂȘ nĂŁo precisa ficar tentando suprimir o estresse." Desde que ainda consiga difundir seu conhecimento e sua competĂȘncia, vocĂȘ nĂŁo serĂĄ julgado severamente por revelar os seus nervos.
Quando vocĂȘ permite que os seus sentimentos sejam mais transparentes, poderĂĄ tambĂ©m descobrir que a experiĂȘncia parece menos assustadora. Whitehouse indica um estudo separado que concluiu que as pessoas que demonstram seu estresse de forma mais declarada tendem a superar esse desconforto mais rapidamente que aquelas que ocultam sua ansiedade.
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Ele sugere que a alteração de comportamento dos demais poderĂĄ oferecer um mecanismo de ajuda. "Produzir comportamentos de estresse pode gerar uma reação mais cooperativa, que, por sua vez, pode permitir que o indivĂduo se recupere do estresse com muito mais rapidez."
Existem tambĂ©m fortes evidĂȘncias de que o nosso pensamento sobre o estresse pode determinar suas consequĂȘncias. Pessoas que consideram a ansiedade algo energizante tendem a atingir melhor desempenho em tarefas difĂceis que aqueles que temem esse sentimento e o consideram fundamentalmente incapacitante. O reconhecimento do valor social da ansiedade pode ser mais uma razĂŁo para observar o nosso desconforto de forma um pouco mais positiva.
Eu certamente descobri que essa postura pode ajudar nas minhas palestras pĂșblicas. Depois que aprendi a aceitar meu nervosismo antes das palestras, parei de me sentir ansioso sobre a minha ansiedade.
O resultado foi que agora posso concentrar mais energia mental na mensagem que quero apresentar, com a segurança de saber que a meu pĂșblico reagirĂĄ com mais calor humano que eu podia imaginar.
*David Robson Ă© um premiado escritor de ciĂȘncias e autor do livro O efeito da expectativa: como o seu pensamento pode transformar a sua vida (em tradução livre do inglĂȘs), publicado no inĂcio de 2022 no Reino Unido pela editora Canongate e, nos EUA, pela Henry Holt. Sua conta no Twitter Ă© @d_a_robson.
Leia a versĂŁo original desta reportagem (em inglĂȘs) no site BBC Worklife.
- O texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/vert-cap-61908848
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