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SĂO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Numa impressionante demonstração de força contra o presidente Vladimir Putin, milhares de russos enfrentaram temperaturas congelantes e foram Ă s ruas neste sĂĄbado para protestar contra a prisĂŁo do lĂder opositor Alexei Navalni. Foram os maiores atos nacionais desde a jornada de protestos organizada pelo prĂłprio Navalni em 2017, ao menos em extensĂŁo: houve manifestaçÔes em cerca de 100 cidades, de Kaliningrado (encrave europeu a oeste) a Vladivostok (extremo oriente). Em Moscou, com o termĂŽmetro perto do zero grau, as estimativas de ativistas variavam de 20 mil a 40 mil presentes. A prefeitura falou em 4.000. Como os protestos nĂŁo tinham autorização para acontecer, foram dispersados pela polĂcia com maior ou menor violĂȘncia. Segundo a ONG de direitos humanos OVD-Info, 3.134 pessoas foram presas pelo paĂs. "Nem eu esperava tanta gente. E tanta polĂcia", disse Ivan Stepanov, ativista do Fundo Anticorrupção de Navalni que falava com a reportagem por aplicativo de mensagem de Moscou atĂ© parar de responder ÂnĂŁo se sabe se ele foi detido. O prefeito de Moscou, Serguei Sobianin, disse que os atos sĂŁo inaceitĂĄveis em meio Ă segunda onda da pandemia da Covid-19, que tem na RĂșssia o quarto paĂs do mundo em casos, com 3,6 milhĂ”es de infectados e 70 mil mortos. VĂdeos mostraram policiais da temida Omon, a tropa de choque russa, prendendo um garoto de 14 anos que concedia tranquilamente uma entrevista na praça PĂșchkin, tradicional ponto de encontro no centro moscovita. O grupo começou a marchar pela capital, e a noiva de Navalni, Iulia, foi uma das detidas. Houve choques pontuais com a polĂcia na capital e tambĂ©m em SĂŁo Petersburgo, segunda maior cidade do paĂs. Manifestantes foram feridos. A agĂȘncia RIA Novosti contou 40 policiais feridos em Moscou, onde manifestantes expulsos da central praça PĂșchkin foram atĂ© a prisĂŁo onde estĂĄ Navalni. Por causa dos 11 fusos do maior paĂs do mundo, um aperitivo da onda de protestos começou a ser visto primeiro em Vladivostok, no extremo oriente russo. A repressĂŁo, a julgar por vĂdeos de redes sociais, foi especialmente brutal na cidade, que sedia a Frota do PacĂfico do Kremlin. Vindo para o oeste, em Khabarovsk (SibĂ©ria), cidade que convive com protestos contra o Kremlin desde 2020 devido Ă remoção do governador local, cerca de 2.000 pessoas foram dispersadas por tropas de choque. Um detalhe que chama a atenção Ă© que a RĂșssia vive um duro inverno. Em Iakutsk, conhecida pelo apelido de cidade mais fria do mundo, pessoas foram detidas sob uma temperatura de 52 graus Celsius negativos. O mesmo se viu em lugares como Iekaterinburgo (Urais, centro do paĂs), onde 10 mil pessoas protestaram com 30 graus Celsius negativos. Em Ufa, tambĂ©m nos Urais, manifestantes enfrentaram a polĂcia com bolas de neve. Houve repressĂŁo, assim como em Novosibirsk, Tcheliabinsk e Krasnoiarsk, cidades siberianas. Em Irkustk (SibĂ©ria), a praça central ficou cheia, mas foi esvaziada sem violĂȘncia. O protesto Ă© um alerta para o Kremlin. Navalni voltou ao paĂs no domingo passado (17), 150 dias depois de ser envenenado na cidade siberiana de Tomsk, onde ajudava a fazer dossiĂȘs contra o lĂder local do partido do Kremlin que disputaria as eleiçÔes de setembro. LĂĄ, aliĂĄs, 2.000 pessoas protestaram neste sĂĄbado. Ele foi tratado em Berlim, onde os mĂ©dicos afirmaram ter encontrado o famoso veneno dos serviços secretos russos Novitchok (novato) em seu corpo. Navalni acusou diretamente Putin e, depois, divulgou a gravação de um trote que deu em um dos agentes do FSB (Serviço Federal de Segurança) apontados como autores do ataque Ânele, o espiĂŁo acha que fala com um superior e admite ter colocado veneno na cueca do ativista no quarto de hotel. O Kremlin nega qualquer envolvimento, e Putin brincou no fim do ano que, se a RĂșssia quisesse matar Navalni, o teria feito. Apesar do desprezo, o Kremlin nĂŁo titubeou em ver Navalni detido assim que chegou ao controle de passaporte em Moscou ÂnĂŁo antes de ter seu voo desviado para outro aeroporto, para evitar confusĂŁo com apoiadores. Ele Ă© acusado formalmente de violar os termos de sua liberdade condicional Âteve uma sentença de prisĂŁo por fraude comutada em 2014, algo que ele chama de perseguição judicial. Embora nominalmente independente, o JudiciĂĄrio russo Ă© usualmente alinhado ao Kremlin. Navalni pode agora pegar trĂȘs anos e meio de cadeia, e convocou o protesto para este sĂĄbado. Foi uma tĂĄtica arriscada, dado que ele nĂŁo Ă© figura popular, mas deu certo e seus apoiadores jĂĄ prometem novo ato sĂĄbado (30). Pesquisa do Centro Levada, instituto independente de opiniĂŁo pĂșblica, mostrou que em novembro apenas 2% dos russos votariam em Navalni para presidente, e sĂł 4% apoiavam sua causa. A exemplo de outros opositores de Putin ao longo dos anos, como o enxadrista Garry Kasparov, sua imagem Ă© mais polida no Ocidente do que em seu prĂłprio paĂs. "Mas ele faz algo que os outros nĂŁo fizeram, que Ă© saber o que incomoda as pessoas", avalia o diretor de estudos sociais do Levada, Alexei Levinson. Ele acredita que Navalni Ă© bem-sucedido por falar sobre temas que perturbam os russos nas duas dĂ©cadas de Putin no poder: a corrupção e a fossilização da polĂtica. A aposta do ativista Ă© essa: canalizar a insatisfação, ainda que obviamente seja uma incĂłgnita o que ele faria se de fato ganhasse mais poder, dado que sua plataforma Ă© Ășnica: combater Putin, de quem jĂĄ foi visto atĂ© como peĂŁo involuntĂĄrio, por fazer dossiĂȘs contra membros do governo, em intrigas palacianas. Blogueiro e advogado, Navalni surgiu na cena pĂșblica nos protestos contra Putin em 2012. No ano seguinte, candidatou-se a prefeito de Moscou e amealhou enormes 27%. Mas foi em 2017 que ele apareceu para o mundo, ao comandar via internet a convocação de uma jornada de protestos que uniu milhares nas ruas da RĂșssia, muitos jovens como o garoto preso neste sĂĄbado em Moscou. Devido a acusaçÔes judiciais, foi barrado de concorrer contra Putin em 2018. Passou entĂŁo a uma tĂĄtica dentro da polĂtica: fomentar qualquer candidatura em nĂvel regional que fosse contrĂĄria ao RĂșssia Unida, o partido do regime. Logrou sucessos simbĂłlicos importantes nos pleitos locais de 2019 e 2020, e sua volta Ă RĂșssia era vista como uma preparação para o embate das eleiçÔes parlamentares de setembro. O Kremlin, por toda sua retĂłrica, nĂŁo deu espaço para surpresas e tambĂ©m criticou o que chama de interferĂȘncia estrangeira, jĂĄ que diversos paĂses pediram a libertação de Navalni. Neste sĂĄbado, o Departamento de Estado dos EUA e chancelarias europeias pediram a soltura tambĂ©m dos presos nos protestos. O novo presidente americano, Joe Biden, mordeu e assoprou: aceitou renovar um acordo nuclear com Moscou, mas abriu apuração sobre o caso Navalni. AlĂ©m de prender Navalni e aliados como sua porta-voz Kira Iarmich, esses por promover os atos sem autorização neste sĂĄbado, o governo russo atacou o coração da operação de Navalni: a internet. Bloqueou na sexta (22) a divulgação de "conteĂșdos polĂticos para menores" do popular aplicativo TikTok e no VKontakte, o Facebook russo. AlĂ©m disso, multou em 250 mil rublos (R$ 18 mil) Liubov Sobol, uma das chefes do fundo de Navalni, por causa dos atos de sĂĄbado. Ela foi presa no começo da tarde em Moscou, ao lado do popular blogueiro Ilia Varlamov. Preso, Navalni divulgou um vĂdeo na sexta afirmando que nĂŁo tinha intenção de se matar na cela, um recado pouco sutil. E, para manter a tradição, seu fundo publicou um dossiĂȘ no YouTube com as suspeitas de gastos de US$ 1,4 bilhĂŁo (R$ 7,6 bilhĂ”es) em uma mansĂŁo atribuĂda a Putin no mar Negro Âque teve 50 milhĂ”es de visitas no primeiro dia no ar. A peça promoveu um dos sĂmbolos dos atos deste sĂĄbado: uma escova de limpar vaso sanitĂĄrio, objeto levado por vĂĄrios manifestantes. Segundo o vĂdeo, o suposto palĂĄcio de Putin tem escovas que custam 62 mil rublos (R$ 4.500) cada.