O que vai acontecer com a adesão da Ucrânia à UE?
Promessas feitas e as declarações de intenções são conhecidas, mas dificilmente estará para breve uma adesão da Ucrânia à União Europeia (UE).
Independentemente da vontade manifestada em fazer parte do bloco, o país levará muitos anos até reunir as condições necessárias para se juntar ao grupo dos 27, tendo em conta as questões estruturais profundas que enfrenta, já para não mencionar a invasão da Rússia.
Ainda assim, a adesão da Ucrânia é um tema quente, com debates acesos entre analistas e decisores políticos sobre o que significaria na prática se a nação em conflito entrasse na UE.
"O centro de gravidade mudaria para Leste"
Com uma população a ronda os 40 milhões de habitantes, a Ucrânia tornar-se-ia no quinto maior membro da UE e o maior em área terrestre, se aderisse.
Para Michael Keating, professor da Universidade de Aberdeen, na Escócia, estas questões poderiam ter implicações geopolíticas significativas, abrindo caminho para um novo eixo Varsóvia-Kiev que poderia rivalizar com o tradicional Paris-Berlim.
Com o "velho motor franco-alemão já não sendo o que era, poderíamos certamente assistir a uma grande mudança no equilíbrio de poder dentro da UE", diz à Euronews, apesar de admitir que, neste contexto, a Ucrânia não seria "muito poderosa".
O alargamento poderia ainda pressionar ainda mais a unidade e a coesão entre os Estados-membros.
"Quanto maior for a União Europeia, mais difícil se torna tomar decisões e haver um envolvimento em ações coletivas", afirma Keating.
Já existem grandes conflitos dentro da UE entre estados ocidentais e meridionais, orientais e setentrionais, sobre a natureza do bloco e os seus objetivos.
A Hungria e a Polónia - que aderiram em 2004 - têm sido um espinho para Bruxelas, que já sancionou os países por minarem o Estado de direito e a democracia.
O dinheiro também é importante.
Mesmo antes de a guerra ter condenado a sua economia à ruína, a Ucrânia era um dos países mais pobres da Europa, com um PIB per capita de 4.800 dólares (cerca de 4450 euros), em 2021, isto é mais de dez vezes inferior aos de economias europeias avançadas, como as de França e da Alemanha.
De acordo com o professor de política europeia Jolyon Howorth, integrar um país tão massacrado custaria uma "quantia horrenda", o que invariavelmente iria sobrecarregar as finanças da UE, possivelmente desviando fundos dos estados-membros mais pobres, como a Polónia, Grécia, Hungria e Roménia, todos beneficiários líquidos em 2022.
No entanto, isto já tinha acontecido antes.
Apesar das vozes críticas dos que ficaram a perder, Keating diz que o financiamento da UE mudou historicamente, deslocando-se para Leste e Sul com o alargamento da UE em 2004 e 2007.
"Isso faz parte do processo normal de ajustamento", defende o professor. Países "perdem financiamento", porque outros "se estão a desenvolver" e "isso não é um grande problema".
A ameaça da migração
A adesão à União Europeia, o bloco comercial mais rico do planeta - permitirá que, a longo prazo, a Ucrânia tenha vantagens económicas, especialmente através da atração de investimento estrangeiro.
Além disso, a necessidade de satisfazer os critérios de elegibilidade da UE pode incentivar o país a enfrentar questões estruturais profundamente enraizadas, como a corrupção, um mal endémico na Ucrânia.
Mas Keating deixa o alerta: em muitos estados, a adesão à UE tem aumentado as disparidades regionais.
Quem, por exemplo, vive na área em torno de Vilnius, a capital da Lituânia, tem quase o triplo do PIB per capita do da região mais pobre do país.
Este fenómeno poderá também acontecer na Ucrânia, de acordo com Keating. Com o investimento concentrado em torno de Kiev, as regiões do leste - onde "as tensões políticas são mais elevadas" - poderiam crescer ainda mais "economicamente marginalizadas".
"Isso pode ser um problema", diz. "As políticas [teriam de entrar] em vigor para garantir que não houvesse demasiada divisão no país no que diz respeito a economia e riqueza".
Para Howorth, nos primeiros tempos, será "quase inevitável" a ocorrência de fluxos migratórios para fora da Ucrânia. E qualquer afluxo massivo de trabalhadores ucranianos corre o risco de criar um efeito político contrário nos outros estados-membros independentemente da sua contribuição económica e apesar do impacto económico positivo dos imigrantes, tal como já comprovado em outros países.
Keating recorda aliás que "isso já aconteceu. A Polónia estava cheia de ucranianos, mesmo antes da guerra".
"Os mercados de trabalho nos países ocidentais precisam destes trabalhadores", acrescenta, reconhecendo no entanto que "a economia e a política nem sempre se alinham".
Quais são os limites da Europa?
Num texto publicado na New Statesman, uma revista política britânica, o ensaísta Jeremy Cliffe afirmou que deixar de lado Ucrânia seria perigoso, por poder convidar a novos conflitos, e que a invasão da Rússia só veio acentuar a vontade dos ucranianos de pertencer ao bloco comunitário ocidental.
"Imagine uma Ucrânia desgastada estrutural e industrialmente por anos de guerra; a sua economia rígida e o seu investimento esparso; um estado fracassado em câmara lenta; os seus eleitores e líderes ressentidos com uma UE que não cumpriu as suas promessas.(...) Comparado com este cenário, os desafios do rápido alargamento da UE não parecem tão intransponíveis".
Noventa e dois porcento dos ucranianos querem aderir à União Europeia até 2030, de acordo com uma sondagem do Instituto Internacional de Sociologia de Kiev. Antes do conflito, apenas 67% disseram que votariam "Sim" num referendo sobre a adesão.
Os debates em torno da adesão da Ucrânia à UE acabam por levantar profundas questões existenciais sobre o próprio bloco.
"Os alargamentos colocam constantemente em causa a razão pela qual o estamos a fazer", disse Howorth. "Qual é o objetivo de uma maior expansão? Estamos a fazê-lo para o próprio bem? Será possível continuar a alargar mais ou menos indefinidamente?"
"Se mantivermos essa lógica de que a União Europeia pode continuar a alargar-se, cada vez mais para a frente, ela rapidamente se vai descontrolar".
Mais uma vez, acrescenta o autor, deparamo-nos com "divisões não resolvidas" entre os estados-membros sobre o que a união realmente é, estando a viajar para o desconhecido, sem um propósito claro.
"Nunca definimos o nosso destino. Dissemos simplesmente que era para aí que nos dirigíamos. E penso que com a potencial adesão da Ucrânia, precisamos de ter uma resposta muito mais clara a esta pergunta: qual é o objetivo de tudo isto"?