O jogo de NES que inspirou o primeiro Resident Evil
Antes de Resident Evil, veio Sweet Home. O tĂtulo, nĂŁo muito conhecido deste lado do mundo, foi lançado pela Capcom em 1989 e serviu como a pedra fundamental para o que, mais tarde, se tornaria uma das franquias de terror mais reconhecidas do mundo dos games. O projeto, inicialmente visto como menor pela companhia, nasceu da vontade de recriar a atmosfera de horror e o clima do jogo original para NES.
Os ensejos sĂŁo parecidos, apesar de, em sua essĂȘncia, ambos serem produtos diferentes. Sweet Home, uma adaptação de um filme de mesmo nome lançado em 1988, coloca cinco personagens para explorar uma mansĂŁo isolada e aparentemente abandonada, mas cheia de segredos. No original, entretanto, nĂŁo temos policiais, e sim, documentaristas que buscam recuperar, registrar e restaurar as obras do artista Ichiro Mamiya.
O grupo se vĂȘ trancado na suntuosa casa e precisa explorar seus cĂŽmodos, resolver enigmas e enfrentar criaturas para fugir. De um lado, cada protagonista tem habilidades prĂłprias, enquanto do outro estĂĄ a maldição de Lady Mamiya, que assombra o local e Ă© a responsĂĄvel pelo clima de horror de um game que foi lançado apenas no JapĂŁo, ganhando status de cult por sua relação com Resident Evil e, inclusive, tendo traduçÔes para o inglĂȘs feitas por fĂŁs, como forma de facilitar o acesso.
Ă assim que os jogadores de hoje podem, inclusive, explorar uma obra que traz diversas alteraçÔes em relação ao filme. O longa, dirigido e escrito por Kiyoshi Kurosawa (Before We Vanish) conta uma histĂłria de tragĂ©dia e ocultismo, no qual o espĂrito de uma mĂŁe maculada pela perda trĂĄgica do filho acaba levando o inferno aos visitantes da mansĂŁo. NĂŁo confundir o Sweet Home original com a sĂ©rie de terror coreana lançada em 2020 pela Netflix, jĂĄ que as duas nĂŁo possuem relação alguma.
A ideia original da Capcom para o primeiro Resident Evil, segundo conta o criador Shinji Mikami, era de um remake de Sweet Home. Foi assim que o projeto nasceu em 1993, quando o futuro diretor ainda era um designer de renome na empresa, apĂłs o sucesso de tĂtulos como Goof Troop e Aladdin para o Super Nintendo. Resident Evil se tornaria seu primeiro trabalho de renome e o definidor de boa parte de sua carreira dali em diante; na relação com o game original dos anos 1980, porĂ©m, havia mais em jogo.
Um survival horror para chamar de seu
Ao lado de Mikami no projeto estava Tokuro Fujiwara, diretor de Sweet Home. Inicialmente, a ideia dele era criar o game que ele nĂŁo havia conseguido fazer em 1989, pela falta de recursos e hardware do primeiro Nintendo. Era fĂĄcil entender de onde vinha esse desejo â afinal de contas, nos primeiros consoles, os games de terror eram raros; mas as propostas de Sweet Home fizeram com que o tĂtulo se tornasse um dos mais influentes da histĂłria do gĂȘnero.
Não se tratava apenas do estilo, mas também de suas ideias, como o uso de documentos de texto para contar uma história e a exploração do ambiente, com o jogador passando diferentes vezes pelas mesmas åreas, encontrando itens que liberam novos caminhos. Os personagens podiam viver ou morrer de acordo com as escolhas do usuårio e mesmo quem assistiu ao filme encontrava, aqui, viradas diferentes na narrativa e uma variedade de finais alternativos.
Um problema judicial, porĂ©m, acabaria por transformar o projeto em algo Ășnico. A Capcom acabou nĂŁo conseguindo recuperar os direitos para adaptar Sweet Home mais uma vez e, por isso, o game ainda em seus estĂĄgios iniciais acabaria se transformando no que hoje conhecemos como Resident Evil, ou Biohazard, em sua versĂŁo japonesa. O tĂtulo, entretanto, reteria muitas das caracterĂsticas do original, citadas como grande inspiração por Mikami.
As animaçÔes de portas, que no game de NES serviam para marcar a tensão a cada descoberta de sala, esconderiam as telas de carregamento que ainda eram uma novidade no primeiro PlayStation. Permaneceria a ideia de que os personagens, com exceção do protagonista, poderiam morrer de acordo com as escolhas do jogador, assim como a exploração de diferentes salas e o retorno a ambientes anteriormente visitados com novas chaves ou itens, para que novos segredos possam ser descobertos.
Resident Evil acabaria pendendo mais para a ação, enquanto Sweet Home trazia batalhas em primeira pessoa e sistemas inspirados nos RPGs japoneses da Ă©poca. Chris e Jill nĂŁo evoluĂam e nem tinham nĂveis de personagem, mas se tornavam mais capazes de enfrentar os perigos da mansĂŁo pela descoberta de novas armas e pela prĂłpria experiĂȘncia, enquanto o jogador entendia os conceitos de combate, gerenciava munição e itens de cura â elementos tambĂ©m do game original e que, atĂ© hoje, fazem parte da essĂȘncia do gĂȘnero survival horror (horror e sobrevivĂȘncia).
Assim como Chris e Jill em Resident Evil, os personagens de Sweet Home tambĂ©m possuem itens exclusivos em seus inventĂĄrios. Eles podem seguir por caminhos diferentes e existem elementos acessados apenas por alguns deles, enquanto salas seguras sĂŁo usadas para armazenar o progresso e guardar itens. Ambos tambĂ©m pesam nas imagens brutais e elementos violentos, algo que, na Ă©poca, foi considerado como um empecilho para que o game japonĂȘs recebesse um lançamento ocidental.
As influĂȘncias cinematogrĂĄficas tambĂ©m aparecem na prĂłpria abertura do game original, que fez uso das capacidades multimĂdia do primeiro PlayStation. Sem um filme para adaptar, Mikami decidiu criar o prĂłprio, investindo em aberturas com atores de verdade que davam o tom de filme B do primeiro Resident Evil. E este Ă© sĂł o começo de um show de referĂȘncias, com o game original para o NES sendo a principal delas.
Para Mikami, que trabalha hoje no desenvolvimento de GhostWire: Tokyo, Sweet Home Ă© uma obra-prima. Enquanto o game nĂŁo vendeu tĂŁo bem quanto a Capcom gostaria, seu status cult e a relação com o primeiro Resident Evil o levou a ter um reconhecimento posterior. Hoje, porĂ©m, nĂŁo Ă© possĂvel experimentar o tĂtulo por meios legĂtimos, com a emulação permitindo acesso enquanto cartuchos completos e em bom estado saem por cerca de R$ 540 no eBay, um dos maiores sites internacionais de leilĂ”es do mundo.
Fonte: Canaltech
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