Marvel ensaia chegada de Miracleman em trama que lembra saga da DC
VocĂȘ conhece o personagem Miracleman (ou Marvelman)? Se disse "sim", sabe que ele tem uma importĂąncia histĂłrica muito grande no mercado de quadrinhos, envolvendo uma mudança de olhar sobre os super-herĂłis e enredos adultos em um perĂodo em que os gibis jĂĄ nĂŁo eram mais tĂŁo âinocentesâ. HĂĄ tambĂ©m muita briga de bastidores sobre direitos autorais entre artistas famosos, como Alan Moore, Neil Gaiman e Todd McFarlane.
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Se disse "nĂŁo", jĂĄ aviso que esse nĂŁo Ă© um texto para recuperar toda a complexa histĂłria do personagem e tudo o que estĂĄ por trĂĄs dele â podemos fazer isso em outro momento. E, bem, na verdade, nĂŁo importa se vocĂȘ disse âsimâ ou ânĂŁoâ, jĂĄ que vou resumir rapidamente o que aconteceu, apenas para contextualizar o objetivo desta matĂ©ria: o de projetar o que a Marvel pretende fazer com Miracleman, pois Ă© algo que pode mexer com as estruturas da editora a partir deste ano.
Marvelman foi criado em 1954 pelo escritor britĂąnico Mick Anglo, para a pequena editora Len Miller & Son. Era a resposta inglesa para o CapitĂŁo Marvel da Fawcett Comics. A premissa era bem parecida: Micky Moran, um repĂłrter, apĂłs um encontro com um astrofĂsico, recebeu poderes baseados em energia atĂŽmica. Toda vez que ele dizia âKimotaâ (âAtomikâ ao contrĂĄrio), tornava-se Marvelman.
Como podem perceber, nĂŁo hĂĄ muita originalidade por ali. E atĂ© mesmo os personagens coadjuvantes da FamĂlia Marvelman lembravam muito os da FamĂlia Marvel, com direito a Young Marvelman e Kid Marvelman, nos moldes do que acontecia com Billy Batson e seu elenco de apoio. E, assim como aconteceu com o CapitĂŁo Marvel, que, jĂĄ integrado Ă DC Comics apĂłs a venda da Fawcett Comics teve que mudar de nome para Shazam para evitar problemas judiciais com a Marvel Comics, Marvelman tambĂ©m sofreu alteraçÔes e passou a se chamar Miracleman.
A fase de Alan Moore em Miracleman
Miracleman não tinha assim histórias muito brilhantes até 1982, quando um jovem escritor britùnico chamado Alan Moore assumiu os roteiros, ao lado dos artistas Garry Leach e Alan Davis (outro nome que faria sucesso no mercado norte-americano anos depois). Só que a versão publicada na revista Warrior era muito mais sombria do que o Marvelman original.
Moran tinha pesadelos sobre sua vida passada como herĂłi e, apĂłs redescobrir seus poderes com a palavra âKimotaâ, descobriu que Kid Marvelman estava vivo, na forma de um superser psicopata. O que aconteceu depois foi uma desconstrução do super-herĂłi clĂĄssico da linhagem do Superman e de Shazam, na forma de aventuras que mais se pareciam tramas de terror psicolĂłgico envolvendo criaturas de estatura mitolĂłgica.
A trama, que mais tarde tinha os desenhos quase macabros de John Totleben (o mesmo que fez dupla, anos depois, com Moore em Monstro do PĂąntano), escalou para temas, digamos, muito mais adultos do que no passado. Era muito mais a jornada de corrupção do super-herĂłi do que exatamente sobre heroĂsmo. Se quiser fazer um paralelo, dĂĄ para comparar essa caracterização com o que Watchmen fez em 1986 â lembrando que a fase de Moore em Miracleman durou 16 ediçÔes e ficou incompleta, com o final no nĂșmero 21, em 1984.
Em 1985, apĂłs a mudança de nome para Marvelman, pelos motivos jĂĄ relatados acima, a Eclipse Comics assumiu a publicação nos Estados Unidos e republicou o material colorido. Mas a revista nĂŁo durou muito tempo. E, mesmo assim, trouxe um olhar nunca antes visto em um âgibi de super-herĂłisâ, influenciando muitos artistas e cativando milhares de fĂŁs â tornou-se cultuada entre os leitores mais vorazes de quadrinhos.
A fase de Neil Gaiman e a treta com Todd McFarlane com Miracleman
Pois bem, como havia muito interesse no personagem, especialmente entre os leitores que descobriram a fase de Alan Moore anos depois da publicação, Miracleman retornou, desta vez pelas mĂŁos de outro britĂąnico que começava a fazer sucesso no mercado norte-americano â justamente pela pegada de terror que imprimia aos seus textos.
Assim, em 1988, Gaiman, que ainda dava os primeiros passos de Sandman na DC Comics, usou o que Moore havia construĂdo para terminar a jornada de Miracleman, juntando tambĂ©m o passado âinocenteâ do personagem. Assim, ele definiu a âascensĂŁo e queda do herĂłiâ, posicionando Moran e sua famĂlia nas eras de Ouro, Prata e ContemporĂąnea dos quadrinhos de super-herĂłis.
O plano era contar essa trajetĂłria em trĂȘs volumes: The Golden Age, The Silver Age e The Dark Age. Mas, no meio do caminho, a histĂłria ganhou capĂtulos paralelos e, no final das contas, terminou na edição 24. O nĂșmero 25, com roteiro pronto, nunca chegou Ă s bancas; e a jornada acabou incompleta no perĂodo do volume de The Silver Age, em 1994.
Os anos 1990 foram turbulentos para o mercado de super-herĂłis, e o pĂșblico mais jovem parecia nĂŁo se importar com a saga de Miracleman. AlĂ©m disso, a irregular publicação do tĂtulo pela Eclipse afastou muito dos fĂŁs, mesmo os mais fervorosos. Assim, o personagem caiu no esquecimento, e sĂł viria a ser notĂcia no meio da dĂ©cada e no começo dos anos 2000.
Em 1996, Todd McFarlane, que estava no auge depois de sua fase no Homem-Aranha, comprou os ativos da Eclipse pela bagatela de US$ 25 mil, incluindo os direitos de uso de Miracleman. E aĂ, em 2001, aconteceu o inĂcio de uma grande treta judicial: McFarlane usou Miracleman em uma revista do Spawn, capitalizando o personagem como um novo integrante do universo de seu personagem na Image Comics.
Em 2002, Gaiman processou McFarlane pelo uso nĂŁo autorizado de personagens que ele havia criado em sua passagem pelas tramas de Miracleman. Gaiman estava tĂŁo determinado a minar os planos de McFarlane que chegou a criar uma empresa somente para poder acionĂĄ-lo judicialmente. Os detalhes exatos sobre as clĂĄusulas de uso sĂŁo atĂ© hoje desconhecidas do grande pĂșblico, contudo, McFarlane teve que recuar.
Em uma manobra de Gaiman em conjunto com a Marvel Comics, que envolveu atĂ© a saga 1602, da Casa das Ideias, a Justiça norte-americana considerou McFarlane como proprietĂĄrio ilegĂtimo dos direitos de Miracleman. E, depois de acordos e muita discussĂŁo nos bastidores, em 2009, o criador original Mick Anglo, passou a ser o dono oficial dos direitos de Miracleman â vale destacar que McFarlane tambĂ©m cedeu porque sua imagem como artista se desgastou bastante no processo, inclusive entre os prĂłprios fĂŁs do autor.
Assim, depois de tudo isso, a Marvel Comics comprou os direitos de Miracleman junto a Anglo em 2009. E, em 2013, a Casa das Ideias anunciou que Gaiman terminaria seus volumes inacabados e até mesmo revelou uma nova trama assinada por Grant Morrison. Desde então, alguns projetos foram cancelados, entre reimpressÔes de luxo; e não dava para saber exatamente o que a editora faria com o poderoso personagem.
Isso mudou na semana que passou.
O possĂvel retorno de Miracleman nos moldes de RelĂłgio do JuĂzo Final
Pois bem, finalmente chegamos ao objetivo do texto, que Ă© projetar a introdução de Miracleman no Universo Marvel. Nos Ășltimos anos, em muitas das sagas que a Casa das Ideias publicou havia a expectativa de que Miracleman apareceria como um âgame changerâ, um deus, ou algo parecido, capaz de abalar as estruturas da editora.
De tanto apostar na introdução de Miracleman na cronologia do Universo Marvel, muita gente atĂ© desistiu. AtĂ© que⊠na surdina, a Marvel deu indĂcios do que pode acontecer em breve. Primeiro, com a presença do sĂmbolo do personagem em Timeless #1, edição de estreia da minissĂ©rie de Kang que deve reposicionar o vilĂŁo temporal com o que foi visto na sĂ©rie Loki, do Disney+.
E, em seguida, com o anĂșncio da edição de luxo Miracleman Omnibus, que reunirĂĄ o reboot dos anos 1980 de Alan Moore e vĂĄrios artistas, bem como as duas primeiras histĂłrias de Miracleman na era da Marvel Comics, de Grant Morrison, Joe Quesada, Mike Allred e Peter Milligan. O lançamento estĂĄ previsto para setembro de 2022.
Agora, a teoria⊠O Multiverso Marvel estå em voga, graças ao que vimos nas séries WandaVision, Loki e What If⊠e com as tramas dos filmes Homem-Aranha: Sem Volta para Casa e Doutor Estranho no Multiverso da Loucura. Como a ideia da minissérie Timeless nas HQs é organizar melhor anos de cronologia zoada na editora, Miracleman pode entrar na jogada como um ser capaz de estabelecer ou mudar as regras fundamentais do Multiverso Marvel.
Na DC Comics, os personagens de Watchmen, em especial Doutor Manhattan, foram usados para explicar o âlegado roubadoâ durante os anos do reboot Novos 52, na saga RelĂłgio do JuĂzo Final. Muita gente (inclusive eu) aposta que a Marvel Comics deva realizar algo semelhante para âconsertarâ vĂĄrias das incongruĂȘncias de dĂ©cadas de publicação para estabelecer as regras de uma nova era na editora. E mais: seria uma chance de tambĂ©m agregar melhor outras propriedades que a companhia adquiriu ao longo dos Ășltimos anos, a exemplo de Conan, Aliens e Predador.
Somente um personagem tĂŁo polĂȘmico, poderoso e esquecido tem essa caracterĂstica de âĂĄs na mangaâ para ser usado com tanto impacto e de forma aceitĂĄvel para essa função na Casa das Ideias atualmente. Claro que nĂŁo dĂĄ para cravar que esse Ă© realmente o plano da editora. Mas, de um jeito ou de outro, preparem-se para abrir alas: Miracleman estĂĄ chegando Ă cronologia oficial do Multiverso Marvel.
Fonte: Canaltech
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