Sob Bolsonaro, até os bancos racharam
O bolsonarismo já provocou rachas nas famílias.
Na equipe do escritório.
No WhatsApp dos amigos da escola.
Na turma do futebol society de quarta-feira.
Na música popular brasileira.
E na música sertaneja.
Produziu racha também entre os organizadores do calendário esportivo.
No PSL, o partido que elegeu o próprio Jair Bolsonaro presidente.
E no próprio governo Bolsonaro.
O Brasil hoje é um país marcado pela fissura.
E ela está longe de se limitar ao rés do chão.
A semana mal começou e já tem apreensão no ar por conta de uma nota, prevista para ser divulgada na terça-feira 31, pela Fiesp, símbolo do baronato industrial brasileiro, com o apoio de 200 entidades. O receio com seu conteúdo é tamanho que o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), precisou entrar em campo para conversar com Paulo Skaf, seu interlocutor da entidade, para botar panos quentes e pedir o adiamento da nota.
Pudera.
O protesto, até onde se sabe, seria um pedido de bandeira branca pela “harmonia entre os Poderes”. A simples junção dessas palavras na mesma frase já é, em si, uma declaração de guerra por parte de quem não quer harmonia nem o convívio nem sequer a existência de outros Poderes na mesma praça.
Como diria o sábio: se queres paz, se preparem para a guerra.
Guardada para depois ou não, o que se sabe é que a carta tem o título provisório de “A Praça é dos Três Poderes”. Nas entrelinhas é possível ler o recado: tirem os tanques e os fuzis do caminho que queremos passar.
Mesmo que não houvesse menção direta ao presidente, a carta seria um dos maiores puxões de orelha do PIB em um governo disposto a transformar Brasília em praça de guerra sob o argumento ginasial de que foi o vizinho que começou — ou “esticou a corda” e extrapolou “limites”, como gosta de dizer o ex-capitão.
A avaliação dos empresários graúdos é que a deterioração institucional, os atritos políticos e a situação fiscal produzem efeitos sobre a economia e levam à revisão das projeções de crescimento. Basicamente o que eles estão dizendo é para os meninos do fundo da sala pararem de molecagem e se comportarem como mocinhos porque a briga chegou ao seu bolso. E quando o bolso sente, a terra treme.
Na lista de signatários estão nomões como representantes da Abag (Associação Brasileira do Agronegócio), Fenabrave (distribuição de veículos), Alshop (lojistas de shopping), IDV (Instituto para Desenvolvimento do Varejo) e, estrela das estrelas, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos).
A adesão dessa última entidade ao manifesto causou o que o bolsonarismo tem causado em qualquer chão dessa terra desde que ele passou a ter chances reais de ser eleito presidente. Briga, desentendimento, troca de farpas. Racha, enfim.
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Segundo o colunista do jornal O Globo, Lauro Jardim, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil deixarão a entidade por conta do manifesto. Um sinal evidente do nível de ingerência política sob o governo que já encheu de bala a mão supostamente invisível do prometido livre mercado.
Das voltas que o mundo dá, quem ainda tem memória vai se lembrar de quando a Fiesp se tornou, em meados da década passada, no ponto de partida das trincheiras contra o governo da época. O movimento que desembocou num tal grande acordo nacional, com Supremo, com tudo, incluindo os patos amarelos da federação, que inundavam os lagos artificiais de Brasília às vésperas do impeachment de Dilma Rousseff, levaram a uma guerra de todos contra todos que detonou caminhos e os portões. Foi nesse cenário de terra arrasada que Bolsonaro chegou até onde chegou.
Quem pagou o pato com o dólar acima dos R$ 5 e a inflação perto dos dois dígitos?
De lá onde está, Bolsonaro tem transformado até violão em simulador de fuzil para mostrar que ninguém está imune à sua mira. A começar por seu vice, Hamilton Mourão, e a fila de ex-ministros que deixaram o posto e a fantasia de que este em algum momento poderia ser um governo sério, pacificador, com qualquer outro projeto de país que não a entronização de seu comandante no poder.
Mal chegou à praça e a nota já causa fissuras. Algumas entidades, como o Instituto Aço Brasil, e entidades-irmãs, como Confederação Nacional da Indústria e Firjan, a federação das indústrias do Rio, devem ficar de fora do recado.
Bolsonaro é do tipo que grita contra manifestações populares, mas costuma falar fino quando a turma da grana ergue a voz. Em breve saberemos se a reprimenda, caso seja mesmo publicada, vai resultar em um recuo estratégico, aquele ensaio de moderação que dura até a segunda página, ou numa nova declaração de guerra.
A um país já fraturado em cada base, seria a consolidação do fosso.