Mensagens da Lava Jato e livro de general jogam luz sobre 2018
Enquanto os procuradores e o ex-juiz da Lava Jato ajudam, involuntariamente, a revelar as estratégias para tirar o ex-presidente Lula das eleições em 2018 --graças à divulgação, por decisão da Justiça, do conteúdo das mensagens obtidas na Operação Spoofing--, o general Orlando Villas Bôas, chefe do Exército durante os governos Dilma e Temer, acaba de entregar voluntariamente ao público uma parte importante do mesmo quebra-cabeça.
Villas Bôas é autor de tuíte-alerta publicado na véspera do julgamento de um habeas corpus impetrado pela defesa do ex-presidente no Supremo Tribunal Federal em 2018.
Na época, Vilas Bôas afirmou que o Exército compartilhava “o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade” e estava atento “às suas missões institucionais”. A postagem foi interpretada como uma forma de pressionar os ministros do STF.
Em um livro recém-publicado pela Editora FGV, resultado de uma entrevista longa ao pesquisador Celso de Castro, o general admitiu que o texto passou por várias mãos na alta cúpula do Exército.
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Na entrevista Villas Bôas afirma que uma das motivações era evitar que atos “tresloucados” de quem pedia intervenção militar tomassem as ruas e criassem uma convulsão social. Para ele, tudo não passou de um “alerta”.
Com ou sem pressão, o habeas corpus foi rejeitado pelo Supremo. Lula foi preso e assim ficou durante as eleições, graças à pressa e à vontade, hoje evidentes, de procuradores e do juiz da operação, o futuro ministro da Justiça do governo vitorioso na ocasião.
Para Villas Bôas, a vitória de Jair Bolsonaro não significou o retorno dos militares ao poder, apesar do empurrão em forma de tuíte.
Representou a vitória de quem melhor representava o combate ao “politicamente correto”. Na cabeça do general, era isso o que os brasileiros queria. Afinal, “quanto maior a ênfase, por exemplo, nas teorias de gênero, maior a homofobia; quanto mais igualdade de gêneros, mais cresce o feminicídio; quanto mais se combate a discriminação racial, mais ela se intensifica; quanto maior o ambientalismo, mais se agride o meio ambiente; e, quanto mais forte o indigenismo, pior se tornam as condições de vidas de nossos índios".
Pelo raciocínio, não haveria perseguição, violência e morte de pessoas LGBTs se ninguém falasse sobre o assunto. Ninguém apanhava, sofria, se deprimida, se suicidava ou precisava esconder a orientação sexual nos tempos em que discussões de gênero não eram tão evidentes.
Da mesma forma, não exigir equidade de gênero era condição para mulheres seguirem vivas nos bons tempos do politicamente incorreto, uma era de ouro em que pessoas negras não eram vítimas preferenciais da violência de Estado e ocupavam plenamente os postos de comando e prestígio do país, sem precisarem de cotas. Bastava ignorar o que os matava e discriminava.
Nos bons temos, ninguém se lembrava de derrubar ou botar fogo nas florestas, com grilagem, ocupação ilegal nem de sufocar as comunidades indígenas nas corridas do ouro ou do látex quando não se falava de “ambientalismo” ou “indigenismo”.
Para o general, foi a luta por relações mais justas e igualitárias que acirraram injustiças e iniquidades em um país até então puro e inocente. Estava tudo muito bem, obrigado, até alguém resolver reivindicar direitos complexos, como o de não morrer por gostar de uma pessoa do mesmo sexo.
A exposição do pensamento lembra o raciocínio de quem tem saudade da ditadura porque não tinha tanta notícia ruim. O detalhe é que as notícias negativas estavam censuradas --um sonho inspirado em um passado nem tão distante para o presidente que dá mostras de desrespeito diário com a Constituição, a paz social e a democracia que o tuíte de Villas Bôas jurava querer defender.