A Dinastia de Bronze: entrevista com Ivan “Pitu” Oliveira, formador de campeões de boxe e MMA

Oliveira Brothers (Foto: Arquivo Pessoal)
Oliveira Brothers (Foto: Arquivo Pessoal)

Por Gabriel Leão

O técnico de boxe Ivan “Pitu” Oliveira foi técnico do campeão mundial de boxe pela categoria dos penas pela Federação Internacional de Boxe (FIB) Valdemir Pereira, o “Sertão”, em 2006, e hoje trabalha com um dos principais nomes do MMA mundial Demian Maia, além de ter treinado o próprio filho Luiz Oliveira que vislumbra uma vaga para Tóquio 2020. Além de suas próprias conquistas, o boxe corre nas suas veias já que é filho do herói olímpico brasileiro Servílio de Oliveira, medalha de bronze entre os pesos moscas de boxe nos Jogos do México 1968.

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Atualmente coordena o trabalho social The Oliveira Brothers, ao lado do irmão e também técnico Gabriel, que tem fornecido talentos para as categorias amadora e profissional além de atuar com profissionais de MMA. Em entrevista para o Yahoo Esportes fala sobre sua carreira, o boxe ter passado por três gerações da família de maneira vitoriosa, o legado de Sertão e o pugilismo voltado para o octógono.

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Yahoo Esportes: Você é filho do primeiro medalhista olímpico do boxe brasileiro, Servílio de Oliveira que conquistou bronze nos Jogos de México 1968. Como foi crescer com esta influencia em casa e como isto afetou sua escolha de carreira?

Ivan “Pitu” Oliveira: Sim, meu pai foi e é uma grande influência pra mim, principalmente na minha escolha. Na verdade ele é o responsável por eu me “viciar” pela modalidade. Na infância me levava ao clube da Pirelli e lá eu pude acompanhar muitos dos melhores lutadores daquela época. Sem dúvida uma das melhores equipes do Brasil de todos os tempos.

Cheguei a treinar boxe, mas não pude competir devido a minha idade. Então fui tentar o futebol e meu pai naturalmente me apoiava, mas quando notou que esse negócio de futebol não daria certo, me mandou imediatamente para a academia pra auxiliar o meu irmão Gabriel na equipe da AD São Caetano, isso em 1997. Foi assim que tudo começou de verdade.

Como é ser técnico de boxe sem ter calçado luvas como atleta?

É normal pra mim, hoje!

No passado foi muito difícil, devido o preconceito e o julgamento das pessoas. Muitos questionavam o fato de eu não saber o que estava falando justamente por não ter vivido aquilo “na pele” como se diz. Mas com o passar do tempo e principalmente com muito estudo, trabalho e resultado, pude provar que mesmo não tendo sido lutador, qualquer um pode ser um bom treinador. E óbvio que ter nascido na família que eu nasci, ajudou muito na minha formação como treinador, porém o fator principal para me tornar o treinador que me tornei, foi a minha dedicação para aprender aquilo que eu “não vivi na pele”.

Ser um treinador que não lutou, eu comparo como ser um professor de história.

Vou dar um exemplo, ninguém questiona o professor de história que está fazendo uma abordagem sobre o descobrimento do Brasil partindo do princípio de que o professor não era vivo naquela época, justamente pelo fato das credenciais do professor serem a formação acadêmica. Assim como um professor de história, eu estudei e estudo diariamente pra dar aos meus alunos o melhor de mim.

Ivan Oliveira e Sertão (Foto: Arquivo Pessoal)
Ivan Oliveira e Sertão (Foto: Arquivo Pessoal)

Você foi técnico do campeão mundial de boxe profissional peso pena Valdemir dos Santos Pereira, o “Sertão”, tendo seu pai atuado como manager do mesmo. Como foi o trajeto para obter este feito?

Antes de ser treinador do Sertão eu fui auxiliar da equipe na qual o mesmo fazia parte. Então, eu o conhecia muito bem, já havia atuado muitas vezes no corner dele em lutas e acompanhava o seu dia a dia na academia. Quando meu irmão Gabriel foi convocado à seleção brasileira, eu assumi todo o plantel, inclusive os profissionais da equipe, que na época eram Juliano Ramos e o Sertão.

A trajetória até a conquista foi muito bem planejada pelo meu pai, que teve todo o carinho, dedicação e principalmente o cuidado necessário pra que o Sertão chegasse a uma disputa de título mundial com chances reais de conquista. Meu pai sabia exatamente o que não devia fazer com os atletas dele já que ele mesmo havia quase chegado a um título mundial, e sabia o que o impediu de alcançar a glória máxima. Meu pai não iria deixar acontecer o mesmo aos seus atletas.

Servílio sempre se preocupou com quem os meninos estavam fazendo sparring, por exemplo, preocupado com as lesões que o tiraram prematuramente dos ringues.

Já em relação a formação do campeão. Meu pai sempre tratou de aumentar o grau de dificuldade dos oponentes dos nossos lutadores, para que quando a oportunidade chegasse, a experiência profissional não se tornasse um problema.

E assim foi com o Sertão. Tivemos uma significativa ajuda da empresa Banner Promotions do Sr. Arthur Pelullo que nos proporcionou fazer as “lutas certas” e no dia 20 de janeiro de 2006 conquistamos o título mundial.

Ao seu ver, o que a conquista de Sertão e sua trouxe para o boxe nacional? Ela é reconhecida?
A nossa conquista trouxe para o boxe brasileiro mais um nome a ser lembrado quando se tratar de título mundial de boxe. Muito embora, existam pessoas, inclusive ligadas à modalidade, que fazem questão de esquecer ou não lembrar...

Não acho que a nossa conquista foi bem “explorada” se é que posso dizer assim, pela mídia. É bem verdade que não estivemos como campeões por muito tempo, mas um título mundial legítimo, jamais deve ser esquecido. Não acho que a conquista é reconhecida como deveria.

Luiz Oliveira no centro do pódio e celebrando (Foto: Arquivo Pessoal)
Luiz Oliveira no centro do pódio e celebrando (Foto: Arquivo Pessoal)

Atualmente você vem treinando o seu filho Luiz Oliveira, o Bolinha, que foi medalha de bronze nos Jogos Olímpicos da Juventude em Buenos Aires ano passado. Como é o trabalho realizado com seu filho? Em quais momentos a relação de pai e filho se mostra forte tanto nos treinos quanto nos ringues?


Treinar o meu filho é algo maravilhoso. É um dos momentos de maior prazer na minha profissão, assim como era quando treinava o meu filho mais velho, João Victor, 20.

O trabalho com o Bolinha começou de forma lúdica, com ele “brincando de boxe” até que um dia ele me disse que queria competir. Então as coisas tomaram um rumo diferente e os treinos começaram a ter um caráter mais profissional. Não demorou para que os resultados aparecessem e que o Bolinha se destacasse.

Após ter sido campeão brasileiro de cadetes em 2017, foi convocado a seleção brasileira juvenil em 2018 e conquistou o campeonato Continental além das medalhas de bronze no Mundial Juvenil e nas Olimpíadas da Juventude.

Hoje em dia ele já não treina integralmente comigo. Na verdade ele treina todos os dias na seleção brasileira de boxe. Nos falamos todos os dias e ele sempre me passa como foi o dia e o aproveitamento no treino. Ele acredita muito em mim, pois tudo aquilo que eu disse que ele poderia conquistar, conquistou. A nossa sintonia e muito grande, mas o nosso contato para treinamento, hoje em dia é só aos domingos, e muitas vezes ele faz questão de abrir mão do único dia de descanso pra bater um pouquinho nas manoplas do pai (risos).

Qual é a projeção para Luiz? Ele tem possibilidade de disputar Tóquio 2020?

Os planos para a carreira do Luiz são os mais ambiciosos possíveis. Pensamos muito em Tóquio, mas pra isso, o Bolinha precisa continuar com a boa conduta nos treinamentos e ganhar a vaga para o pré-olímpico que acontecerá em março do ano que vem. E a seleção brasileira enviará 8 homens para o campeonato Continental das Américas. Na categoria do Bolinha, até 52kg, classificam-se cinco atletas. É uma tarefa difícil, mas não impossível. Principalmente para um atleta que medalhou em todas as principais competições do mundo nas categorias de base.

Além dele você prepara outros garotos. O que pode falar deles?

A nossa equipe, The Oliveira Brothers, tem muitos bons valores.

Temos o Pedro Conceição, 19, que é um verdadeiro craque de boxe. Primeiro atleta do projeto a ser convocado para a seleção brasileira. Esteve com o Bolinha nas principais competições pelo mundo no ano passado como juvenil e hoje está na elite do boxe brasileiro. Tri-campeão nacional, Pedro tem tudo para estar no grupo que disputará os próximos Jogos Olímpicos de Paris 2024.

Ivan e Luiz Oliveira (foto: Arquivo Pessoal)
Ivan e Luiz Oliveira (foto: Arquivo Pessoal)

O novo pupilo de Servílio e seu é Rubens Diego do Santos, o “Manchinha”. O que esperam com este prospecto profissional? O que o diferencia dos demais lutadores?


Manchinha tem todas as ferramentas para se tornar campeão mundial de boxe profissional nos próximos três ou quatro anos. Ele é a nossa aposta, tanto minha quanto do meu pai. Tem um estilo técnico e ao mesmo tempo agressivo. Gosta de castigar a zona hepática dos oponentes e é muito dedicado.

Manchinha, a exemplo de Sertão, deixou a Bahia e veio para São Paulo buscar uma oportunidade de evolução na vida esportiva. Hoje, após quatro anos vivendo no projeto The Oliveira Brothers, Manchinha ostenta um cartel profissional invicto de oito vitórias sendo seis por nocaute.

O que dificulta um pouco a ascensão do nosso atleta, no entanto, é a falta de lutadores que queiram realmente ser campeões no Brasil. Não temos oponentes à altura. O mercado está escasso. E isso, sem duvida dificulta e encarece o projeto, já que para usar a tática que foi usada com o Sertão, de aumentar o grau de dificuldade do nosso lutador, temos que trazer atletas que venham de outros países, é isso acaba por se tornar custoso. Mas não vamos deixar este obstáculo nos parar. O Manchinha chegará lá.

Além de pugilistas você treina também lutadores de MMA como o renomado Demian Maia que possui o melhor jiu-jítsu do UFC. Como é o trabalho com estes lutadores e como o mesmo se dá quando chegam de outras modalidades que não o boxe?

O trabalho com a galera do MMA é muito legal. O meu primeiro contato foi em 2012 quando fui treinar o Daniel Sarafian.

Hoje em dia, há quase 8 anos na equipe do Demian Maia, posso dizer que aprendi um pouco sobre as artes marciais mistas, justamente por ter que ajudar atletas que não são oriundos da nossa modalidade. Uma tarefa bastante desafiadora, a princípio.

Aos poucos fui percebendo que era menos difícil do que eu pensava. O boxe aplicado ao MMA acaba sendo muito mais simples, já que existem muitos outros aspectos, modalidades e situações as quais um lutador de MMA deve se preocupar, por isso, não da pra ficar inventando. Portanto, mediante ao objetivo do lutador, eu coloco em prática o meu trabalho.

No caso do Demian, por exemplo, acaba sendo mais simples ainda. Ele é um grappler de excelência, por isso, a parte em pé deve favorecer a aproximação. De tal modo, o nosso trabalho não se apega à combinações elaboradas de manopla ou “showman” como alguns treinadores fazem. A gente se apega 85% do nosso tempo ao “be-a-bá” do deslocamento e golpes de aproximação. Isso chama-se objetividade e é nisso que acreditamos. Deu certo em todas as lutas. Até mesmo as que perdemos, chegamos à distância (completar todos os rounds) em boas condições de clinchar, mas quando lutamos contra os melhores wrestlers da divisão, não conseguimos concluir o trabalho. Mérito dos adversários. Seguimos trabalhando!

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