Fundos de startups crescem entre empresas do Ibovespa mesmo com aperto no setor
Por Andre Romani
SĂO PAULO (Reuters) - A indĂșstria de corporate venture capital (CVC), ou fundos de empresas para investimento em startups, cresceu entre as companhias brasileiras na bolsa no primeiro semestre de 2022, ainda que o cenĂĄrio para os negĂłcios em estĂĄgio inicial no paĂs, e no mundo, seja cinzento, com onda de demissĂ”es e redução de captaçÔes de recursos.
Um estudo preliminar da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (Abvcap) mostra que 13 empresas que pertencem atualmente ao Ibovespa, principal Ăndice de açÔes da bolsa brasileira, fundaram CVCs neste ano, contra oito em todo o ano de 2021.
Para se ter uma ideia, o nĂșmero de janeiro a junho Ă© um pouco menor do que o visto no acumulado dos dois anos atĂ© o final de dezembro passado, de 15.
"No Brasil, o mercado de CVC acordou para valer tem uns dois anos. Uns quatro anos atrĂĄs tinha uma ou outra empresa e hĂĄ sete anos tinham trĂȘs ou quatro", disse Sandro Valeri, coordenador do comitĂȘ de CVC da Abvcap.
Entre as empresas listadas no Ibovespa que anunciaram fundos de CVC nos Ășltimos meses estĂŁo gigantes de diversos setores como a mineradora Vale, a produtora de celulose Suzano, a operadora de telecomunicaçÔes TelefĂŽnica Brasil e a varejista Lojas Renner.
Para Newton Campos, coordenador do centro de estudos em private equity e venture capital da FGV EAESP, essas empresas podem ser vistas como "latecomers (retardatårias)", à medida que o cenårio de juros baixos, que abriu espaço para o desenvolvimento de diversas startups, jå passou. Ele disse, entretanto, que "hå espaço" no mercado, especialmente porque trata-se de uma estratégia de longo prazo.
"Estamos em uma situação estranha, para nĂŁo dizer engraçada: um monte de empresa conseguiu desenvolver sua polĂtica (de inovação) agora, mas os juros aumentaram", disse ele. "No curto prazo, a situação estĂĄ feia...mas no longo prazo todo mundo sabe que vai ter que se modernizar", acrescentou.
O diretor de estratĂ©gia e novos negĂłcios da Lojas Renner, Guilherme Reichmann, admite que o negĂłcio tem "um pĂȘndulo de mercado", mas afirmou que o cenĂĄrio Ă frente Ă© positivo.
A varejista anunciou em março o RX Ventures, fundo de CVC com 155 milhĂ”es de reais para aportes em ao menos dez empresas em segmentos como varejo de moda, logĂstica, soluçÔes financeiras e marketing.
"Sim, tem outros grupos que saĂram com viĂ©s de inovação antes, mas muitos porque era o negĂłcio principal para eles", disse Reichmann. "A gente nĂŁo acha que Ă© um mau momento para se lançar CVC, o nosso ciclo Ă© de quatro anos de investimento e quatro anos de desinvestimentos nas empresas. Vemos retorno do nosso investimento."
Startups em todo o mundo viram a vazão das captaçÔes diminuir nesse ano diante da alta global das taxas de juros, após bilhÔes injetados no setor em 2021.
NĂO Ă SĂ LUCRO
A diferença bĂĄsica do CVC para o venture capital (capital de risco), alĂ©m da caracterĂstica da empresa por trĂĄs, sĂŁo os objetivos por trĂĄs do negĂłcio, que ultrapassam o financeiro. Para as companhias, Ă© importante tambĂ©m, por exemplo, estar atualizado sobre o que estĂĄ se fazendo no setor para poder evoluir em termos de inovação.
A regra costuma ser a manutenção de participaçÔes em startups, mas em alguns casos, elas podem acabar sendo integralmente incorporadas pelas empresas, segundo os especialistas.
A motivação de lucrar com os investimentos em startups é bem menor no caso de empresas, de acordo com Ricardo Sangion, sócio do fundo de venture capital TheVentureCity, por isso a crise no financiamento de startups maiores não afeta a decisão de criar CVCs.
"O nosso objetivo principal é ter uma relação mutuamente benéfica com esses empregadores, trazer um valor para eles e da mesma maneira poder pegar esses aprendizados e desdobrar dentro da Vale", disse Viktor Moszkowicz, que comanda a årea de joint venture e CVC na Vale.
A mineradora lançou em junho a Vale Ventures, fundo de 100 milhĂ”es de dĂłlares para investimento em startups que desenvolvam soluçÔes e tecnologias ambientalmente sustentĂĄveis no Ăąmbito da mineração. A ideia Ă© realizar aportes em entre 10 e 20 empresas em um espaço de aproximadamente cinco anos, segundo ele, que disse nĂŁo ter esses nĂșmeros "escritos na pedra".
"A mineração nos prĂłximos 20 anos vai ser liderada por uma transição energĂ©tica. Temos consciĂȘncia de que tem talentos que estĂŁo fora da Vale, alĂ©m das nossas fronteiras."
Piero Minardi, presidente da Abvcap, disse que por um lado pode até ser uma oportunidade para as empresas lançar esses novos projetos neste momento, além de uma fonte de recurso interessante para as startups diante da alta dos juros.
"A contrapartida disso Ă© que um CVC pode ser um limitador de liquidez para a startup", como quando as companhias impĂ”em clĂĄusulas de preferĂȘncia em novos investimentos, disse ele, que tambĂ©m Ă© sĂłcio-responsĂĄvel pela Warburg Pincus na AmĂ©rica Latina.
(Reportagem adicional de Tatiana Bautzer, edição Alberto Alerigi Jr.)