Escolha de presidente do BC e apoio às reformas sinalizará compromisso do próximo governo com a Política de Metas de Inflação

Edifício-sede do Banco Central em Brasília (Inildo Amaral/BC)
Edifício-sede do Banco Central em Brasília (Inildo Amaral/BC)

Por Gabriel Oneto

A economia brasileira é baseada atualmente no chamado “Tripé Macroeconômico”. Esse tripé é composto por três pilares: a de Câmbio Flutuante, a de Meta fiscal e a de Meta de Inflação. Em 26 de Julho de 2018, o Conselho Monetário Nacional (CMN), formado pelos Ministros do Planejamento, e da Fazenda e pelo presidente do Banco Central, anunciou que para 2021 a meta de inflação será de 3,75% ao ano, com taxa de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. Essa será a meta mais baixa desde 2002, de 3,5%. Naquela ocasião, por turbulências causadas pelas eleições, a inflação fechou em 12,5%, bem acima do projetado.

Para o economista Felippe Serigatti, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EESP/FGV), o Conselho Monetário Nacional tomou uma decisão acertada: “Quanto mais claro deixar a sinalização de para onde vai a política monetária é melhor. Se quer uma inflação mais baixa, sinaliza isso para o mercado, o CMN está fazendo certo”.

Já o economista Eduardo Strachman, professor do Departamento de Economia da UNESP de Araraquara critica essa decisão: “Isso possivelmente garantirá a necessidade ainda maior do uso de taxas de juros elevadas, no país, as quais beneficiam certos grupos sociais, econômicos e políticos.” E completa: Vamos piorar o nosso desempenho, em termos de juros e de crescimento. Este deve ser um dos objetivos destas medidas.”

Previsibilidade e estabilidade são duas características importantes para a economia de um país. Inflação baixa é algo que contribui para isso. Geralmente, como foi no período da hiperinflação, a inflação quando alta costuma ser mais volátil. Essa volatilidade acaba prejudicando investimentos de longo prazo, pela incerteza de que gerarão algum retorno. Também traz malefícios aos mais pobres, por diminuir o poder de compra rapidamente graças à desvalorização da moeda.

A Política de Metas de Inflação começou a ser aplicada no Brasil em 1999, quando o Banco Central era presidido por Armínio Fraga, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Esse regime impõe ao Conselho Monetário Nacional a responsabilidade de fixar uma taxa de inflação, com alguma tolerância, a ser atingida pelo Banco Central. Essa taxa deve ser fixada com pelo menos dois anos de antecedência. Caso a meta não seja atingida, o presidente do BC é obrigado a enviar uma carta aberta ao Ministro da Fazenda explicando os motivos, quais providências estão sendo tomadas para que a inflação retorne à meta e em qual prazo alcançarão resultados.

Metas de inflação ao longo dos anos (Montagem/Gabriel Oneto)
Metas de inflação ao longo dos anos (Montagem/Gabriel Oneto)

O primeiro país a seguir uma política como essa foi a Nova Zelândia em 1989. Outros países, como os Estados Unidos, Japão, Canadá, Austrália, Chile e Colômbia, além do Banco Central Europeu, estabelecem metas de inflação.

Serigatti é um entusiasta desse regime: “Um dos grandes méritos deste método foi ancorar as expectativas dos agentes. Então qual a lógica? Imagine que quando as pessoas vão renegociar os seus contratos, acabam imaginando que a inflação vá ficar em 4%, então elas fazem um reajuste de 4% no contrato. Se todo mundo pensar assim, a inflação vai pra 4%, e a mesma coisa acontece se as pessoas imaginarem que a inflação vai para 7,5%,ou para 10, ou 12. O grande mérito da Política de Meta de Inflação é justamente esse e isso torna mais fácil que ela seja alcançada.”

Já Strachman critica o rígido controle da inflação, que considera prejudicial ao crescimento do país: “Uma possível consequência do uso das metas de inflação, no Brasil — conforme elas foram institucionalizadas no país, ou seja, de acordo com as regras específicas que se resolveu estabelecer para essas metas, foi uma inflação razoavelmente mais baixa em todo o período, com uma preocupação excessiva com ela, ao mesmo tempo em que se obteve taxas de crescimento econômico igualmente muito baixas.”

Serigatti vê como fundamental para o funcionamento desse sistema a confiança que o Banco Central recebe. “Quanto mais confiança o mercado tem no Banco Central, menos ele tem que utilizar a taxa de juros”. A variação da taxa SELIC, a taxa de juros oficial do país, é a principal ferramenta que o Banco Central tem para controlar a inflação. A cada 45 dias, o Comitê de Política Monetária do Banco Central, o COPOM, se reúne e decide, de acordo com o andamento da economia e com o objetivo de manter a inflação dentro da meta, a variação da taxa.

Desde que a Política de Meta de Inflação entrou em vigor, por grande parte do período a taxa de juros foi bem alta, chegando a ser superior a 20% no final dos anos 90. Segundo Strachman, uma taxa de juros tão alta é prejudicial para a população e maléfica para o crescimento da economia. Além disso, apenas um pequeno grupo é favorecido pelos juros altos: “É muito possível que esta institucionalidade tenha sido estabelecida assim exatamente para propiciar taxas elevadíssimas de juros, quase perenemente. E que isso seja também a razão pela qual esta institucionalidade não tenha sido modificada, basicamente, desde que foi estabelecida, em 1/7/1999, há 19 anos, portanto. Ninguém ousa mexer nisso.”

O próximo presidente tem a prerrogativa de escolher quem ocupará a presidência do Banco Central. O nome escolhido, ou a manutenção do atual presidente Ilan Goldfajn, será visto como um sinal importante do mercado sobre o comprometimento do governo com o controle inflacionário. Se o presidente for encarado como alguém capaz de tomar medidas duras para trazer a inflação para o centro da meta, o trabalho será facilitado.

“Caso um determinado grupo político que não seja muito alinhado com um projeto de reformas ou com o compromisso de manter a inflação em um patamar baixo vença as eleições, os agentes vão antecipar essa inflação mais alta nos contratos, o que acaba fazendo ela subir”, avalia Serigatti.

Ilan Goldfajn em evento no BC (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Ilan Goldfajn em evento no BC (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Porém escolher uma equipe econômica comprometida com o controle inflacionário não será suficiente. O Brasil passa por um descontrole das contas públicas. O próximo governo terá que encarar reformas estruturais, como a da previdência, que deverão ser feitas nos próximos anos. “Infelizmente essas reformas sofrem resistências de muitos grupos, incluindo de funcionários públicos. Ai que fica a questão: Será que o próximo grupo político que vencer a eleição, seja lá quem for, vai ter força para fazer essas reformas, para vencer essas corporações?”, questiona Serigatti.

Desde que a Política de Metas de Inflação foi implementada no Brasil, em 1999, as taxas no país têm estado relativamente controladas e em níveis baixos. Ao longo deste período, por quatro vezes a inflação ficou acima da média, o que levou o BC a aumentar fortemente a taxa de juros para trazê-la de volta à meta. A taxa de juros chegou a ser superior a 20% no final dos anos 90. Atualmente, o país está com a inflação dentro da meta e com a menor taxa de juros da nossa história, com a SELIC a 6,5%.

Mesmo com esses resultados, para Eduardo Strachman, professor do Departamento de Economia da UNESP de Araraquara, o regime tem falhas que foram apontadas por críticos desde a sua concepção. O professor aponta outros sistemas que considera melhores e mais viáveis do que a atual: “Há outros tipos de controle, por exemplo, sem metas explícitas, como fazem os EUA, que não usam o regime de metas; ou com uso de estoques reguladores e certos controles de preços, quando necessário, como faz a China, só para citar as duas maiores economias do mundo. A China não perde — ou não troca — 1% de crescimento, a fim de reduzir a inflação. Ela utiliza outros meios para controlá-la e mantê-la em níveis adequados.”

Já Serigatti analisa a política como um sucesso e não vê motivos para modificá-la: “Ela tem dado ótimos resultados. Desde que ela foi instituída, a gente conseguiu colocar a inflação sob controle, em uma banda bem mais civilizada. Não faltaram choques ao longo de todo esse período para testar o sistema. Ele serve para ancorar as expectativas e um Banco Central com credibilidade faz com que o uso da taxa de juros seja mais suave.”

Gráfico sobre política de metas (Montagem/Gabriel Oneto)
Gráfico sobre política de metas (Montagem/Gabriel Oneto)

A inflação baixa traz inegáveis avanços à economia. O Regime de Metas de Inflação é reconhecido, mesmo pelos críticos, como uma política de sucesso no controle da inflação, trazendo previsibilidade e confiança para o mercado. Começou no governo de Fernando Henrique Cardoso, passou pelos regimes de Lula e Dilma Rousseff, chegou no governo Temer e agora caberá ao próximo presidente, por meio da escolha do presidente do Banco Central e de apoio ou não às reformas, demonstrar o apoio a esse regime e se a meta de 3,75% para 2021 será alcançada.