Empresa adota semana de 4 dias de trabalho no interior de SP
FRANCA, SP (FOLHAPRESS) - Uma empresa de tecnologia de Franca, a 400 km de São Paulo, reduziu a jornada semanal de trabalho de cinco para quatro dias sem alterar o salårio dos seus 40 funcionårios. A proposta, batizada de "Quarta-feira Livre", começou a ser desenhada hå mais de um ano na empresa do interior paulista, no auge da pandemia da Covid-19, e estå em fase experimental desde março.
"Quando começamos a nos preparar para o mundo pĂłs-pandemia, no inĂcio de 2022, sentimos que era o momento perfeito para colocar nosso plano em prĂĄtica", disse Leandro Pires, CEO da NovaHaus.
O projeto-piloto deve ter duração de oito meses e seguir até novembro, quando a empresa irå avaliar os resultados, com pesquisas de satisfação para mensurar a produtividade interna e ganhos individuais, e decidir se a mudança serå em caråter permanente.
AlĂ©m de manter o salĂĄrio original, ao implementar a jornada semanal de quatro dias, a empresa criou um cartĂŁo de benefĂcio, no valor de R$ 400, vĂĄlido para alimentação, refeição, mobilidade, cultura, home office, saĂșde e educação.
Os funcionĂĄrios podem gastĂĄ-lo com assinaturas de aplicativos de mĂșsicas e filmes, alĂ©m de livrarias, farmĂĄcias, postos de combustĂveis, cinema, teatro e shows.
"Todos os salårios foram mantidos e estão assegurados em contrato. Nossa intenção é revolucionar o mercado de trabalho brasileiro e trazer o futuro para o presente das pessoas, começando por quem trabalha com a gente", disse Pires.
A empresa foi fundada em 2008 e é especializada em desenvolver programas digitais e sites comerciais e atende atualmente marcas nacionais e internacionais. A NovaHaus tem um escritório em São Paulo que também adotou o modelo de trabalho de quatro dias na semana.
No Brasil, a jornada de trabalho mais "enxuta" ainda Ă© novidade, mas jĂĄ Ă© tendĂȘncia em paĂses como Espanha e Nova ZelĂąndia. A empresa de Franca planeja uma avaliação mais detalhada da redução de jornada, mas jĂĄ nota o efeito da mudança sobre sua equipe.
"Planejamos a otimização de cada um de nossos processos para que a Quarta Livre não impacte as entregas. Hoje, além de manter os prazos, conquistamos uma rotina mais ågil e objetiva", afirmou Ginaldo Terencio, diretor de tecnologia da NovaHaus.
Segundo o CEO do grupo francano, a expectativa Ă© que a carga reduzida diminua o estresse, aumente a qualidade de vida e reflita positivamente na produtividade, como tem acontecido nas empresas que jĂĄ implantaram o modelo.
Aos 22 anos, o analista de sistemas Leandro Cesar Silva, programador front end do grupo, passou a trabalhar quatro ao invés de cinco dias por semana. As folgas às quartas-feiras, além do såbado e domingo, significou para ele um salto de qualidade de vida.
A pausa no meio da semana se tornou uma oportunidade de voltar a frequentar o cinema, descansar e conviver com a famĂlia, alĂ©m de aliviar o cansaço mental.
"Era raro eu ir ao cinema, mesmo sendo amante de filmes, e agora tenho ido bastante, tenho conhecido novos lugares e principalmente tenho ficado mais com minha famĂlia", disse o programador, que completou quatro anos de empresa recentemente.
"Com a rotina apertada, raramente conseguia conversar um longo tempo com meus familiares. Demorou um tempo para eles acreditarem que eu não ia trabalhar mais às quartas. Até para mim, às vezes não då para acreditar muito."
Segundo ele, o vale que os funcionĂĄrios passaram a receber foi um incentivo para comprar livros e resgatar o hĂĄbito da leitura.
A jornalista Juliana Teodoro Silva, 22, trabalha como redatora na empresa desde 2019 e disse que a equipe ficou eufĂłrica quando o diretor Leandro Pires anunciou a novidade.
Juliana afirmou que o seu desempenho profissional melhorou apĂłs a diminuição da jornada e que aproveita as folgas para descansar, dormir atĂ© mais tarde, assistir sĂ©ries, novelas e intensificar as aulas de francĂȘs.
"Tem sido Ăłtimo. O rendimento, principalmente na quinta e na sexta, melhorou muito. Sabe aquilo de trabalhar mais feliz em semana de feriado, porque vocĂȘ sabe que tem folga? Ă a mesma coisa, toda semana", disse ela.
A advogada trabalhista empresarial DĂ©bora Brazil destaca que a jornada de trabalho de atĂ© oito horas diĂĄrias ou 44 horas semanais, previstas na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), Ă© um formato aplicado como regra geral nas Ășltimas dĂ©cadas no modelo presencial. Contudo, como consequĂȘncia da pandemia, a implantação por completo do trabalho remoto se tornou a regra.
"Com isso, a qualidade de vida no trabalho em busca da tĂŁo falada saĂșde mental, sacrificada durante a pandemia, tem sido o foco no retorno ao trabalho presencial nas empresas. Nesse contexto, o modelo de quatro dias de trabalho vem começando a ser implementado no Brasil, especialmente pelas vanguardistas empresas de tecnologia", afirmou ela.
Segundo a especialista, Ă© importante observar que o novo formato estĂĄ de acordo com a legislação trabalhista vigente, pois o contrato de trabalho pode ser alterado para beneficiar o empregado, sem que gere qualquer redução de salĂĄrio ou prejuĂzo para o empregado que teve a alteração de seu contrato de trabalho.
DĂ©bora destacou ainda que o empregado tem o direito Ă desconexĂŁo ao trabalho, fundamentado no princĂpio da dignidade da pessoa humana.
"O modelo de quatro dias pode ser entendido como um desdobramento do direito Ă desconexĂŁo, tendo em vista a necessidade percebida pela sociedade do alargamento do perĂodo de descanso e lazer do trabalhador", disse disse a advogada trabalhista.
Ela ainda aponta benefĂcios como produtividade no equilĂbrio da vida e trabalho. "Com isso, a mudança de mentalidade e quebras de paradigmas sĂŁo as palavras de ordem para garantia da tĂŁo sonhada saĂșde mental no ambiente de trabalho".