Diminuição dos juros bancários será desafio para o futuro presidente; conheça propostas
Por Gabriel Oneto
A Taxa Selic, principal taxa de juros do Banco Central, está em 6,5% ao ano, o menor valor da nossa história. Isso só ocorreu graças à inflação que está sob controle. No último ano, a inflação fechou em 2, 95%, abaixo do piso de 3% da meta do BC — esse foi o menor valor desde que a Política de Metas foi implementada, em 1999. Para este ano, a projeção é que fique em cerca de 4%, ou seja, se mantenha dentro da meta.
Enquanto a Selic está em sua baixa histórica, os juros do sistema bancário continuam muito altos, conforme dados do próprio Banco Central. Em 2017, os bancos cobraram uma taxa média anual de 25,6% em operações de crédito. No Cheque Especial essa taxa é ainda mais alta, chegando a 323% ao ano. No rotativo do cartão de Crédito os juros são maiores que no Cheque Especial, atingindo exorbitantes 334% ao ano. Essa diferença entre o quanto o banco paga para captar o dinheiro e quanto ele cobra para emprestar se chama “spread bancário”.
Atualmente, cinco grandes bancos concentram mais de 80% de todo o crédito disponível no mercado. Somente no ano passado, o Itaú Unibanco, a maior instituição financeira privada do país, teve um lucro líquido de 24 bilhões de reais. Os quatro maiores bancos do país (Itaú Unibanco, Banco do Brasil, Bradesco e Santander) obtiveram, em conjunto, um lucro superior a 57 bilhões de reais no mesmo período, um valor 14,6% maior do que o do ano anterior.
O economista e professor do Departamento de Economia da UNESP de Araraquara, Eduardo Strachman vê nessa concentração um fator preponderante para os altos juros cobrados.
“É um grande problema e, possivelmente, é a principal razão para os juros muito elevados, devido aos mark-ups (diferença entre o preço, neste caso, os juros cobrados, e os custos dos bancos) muitíssimos altos. Há outros fatores implicados, como a Selic elevada, os depósitos compulsórios (um pouco simplificadamente quanto os bancos não podem emprestar, de seus depósitos totais) muito altos também, mas a concentração bancária é possivelmente o componente principal”, diz.
Já o economista com mestrado pela FEA/USP e especialista em contas públicas, Guilherme Tinoco, não encara de maneira negativa essa concentração bancária.
“Em muitos países o sistema bancário também é concentrado, sem que os spreads sejam tão elevados, indicando que talvez esse não seja o problema fundamental. Um estudo recente do BC dá nome aos bois: Canadá, Holanda, Austrália. O problema maior me parece ser de concorrência, independente do número de bancos. Lógico que se tivermos novos bancos no mercado e se eles forem saudáveis e bem regulados, pode ajudar. Mas como isso não é fácil, o foco pode ser em medidas para aumentar a concorrência entre os bancos que já estão estabelecidos”, avalia.
Com essa concentração e a opinião de muitos candidatos que os juros praticados pelos bancos são abusivos, a questão bancária chamou a atenção dos candidatos à presidência da república. Por exemplo, Geraldo Alckmin (PSDB) tinha em seu plano de governo a proposta de desregulamentar o setor bancário; Henrique Meirelles (MDB) defendia uma maior participação das chamadas fintechs, os bancos digitais e Ciro Gomes (PDT) que, entre outras propostas, defendeu um refinanciamento das dívidas, com o objetivo de retirar o nome de endividados do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC).
As propostas de Bolsonaro e Haddad para a área
Os dois candidatos que chegaram ao 2° turno, o petista Fernando Haddad e Jair Bolsonaro, do PSL, têm visões bem diferentes e dão importâncias bem dissonantes a este tema em seus respectivos planos de governo.
Haddad afirma que o sistema bancário deve passar por profundas mudanças com o objetivo de forçar os bancos a cobrarem juros mais baixos. Uma das suas propostas consiste em taxar progressivamente o spread bancário. Isso é, quanto maior o spread, mais imposto a instituição financeira vai pagar. Eduardo Strachman acha uma boa ideia: “Pode ser uma proposta importante, quanto maiores os juros, mais os bancos seriam tributados, e vice-versa. Pode ser feito. possivelmente via normas do Banco Central.”
Para Tinoco, a proposta do candidato do PT é falha: “A taxação progressiva (taxação em função do spread) como ele propôs altera os incentivos dos bancos para emprestar. Por exemplo, as operações mais arriscadas, que devem ter um spread maior, seriam sobretaxadas. Qual o efeito disso? O custo ficaria mais alto para essas operações, restringindo a oferta e reduzindo a quantidade de crédito.”
Outro tópico do plano de governo de Haddad discorre sobre uma maior presença dos bancos públicos (Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil) no crédito. Segundo ele, com isso, os bancos públicos cobrariam juros mais baixos e os bancos privados seriam obrigados a trilhar o mesmo caminho. Algo semelhante já foi tentado sem sucesso no governo de Dilma Rousseff.
Essa proposta não é vista com bons olhos por Tinoco, que lembra que já foi tentada no passado sem sucesso: “Essa tentativa já foi experimentada anteriormente e não deu muito certo. O melhor jeito para reduzir os juros me parece seguir com a agenda da redução do risco e da inadimplência, do aumento da concorrência. A diminuição de juros tem que estar lastreada nessas condições estruturais. Não se pode oferecer crédito incompatível com os riscos da operação, pois isso compromete a sustentabilidade financeira dos bancos públicos.”
Já Strachman tem um pensamento diferente e avalia a proposta como positiva, mas acha que enfrentaria muita resistência, como ocorreu quando Dilma tentou: “O processo mais fácil de enfrentar o problema é instruir os bancos públicos a reduzirem suas taxas de juros. Os bancos privados seriam obrigados a seguí-los, mas eles fazem pressão até política contra isso. O cientista político André Singer, da USP, credita a esse movimento, no governo Dilma, uma das principais razões para o impeachment.”
Já a campanha do candidato do PSL não deu destaque para o setor bancário em seu plano de governo, mas afirma ser importante para a economia que os juros sejam baixos e que o setor bancário tenha uma maior abertura, mas não especifica como isso seria feito.
Tinoco não acha que uma maior abertura do setor bancário geraria necessariamente uma queda nos juros: “Já tivemos grandes bancos estrangeiros operando no Brasil que acabaram se retirando depois de algum tempo. A agenda mais promissora me parece passar mesmo por aumentar a concorrência com os atores que já estão aí e com os novos entrantes (fintechs) e, logicamente, pela condução da ‘agenda da inadimplência’, melhorando as garantias, melhorando a lei de recuperação judicial, reduzindo a assimetria de informação. Ou seja, diminuindo o risco de crédito em geral.”
Strachman entende isso apenas como discurso, e não acha possível implementar: “Não sei como ele pretende fazer isso. O que ele faria? Que bancos entrariam e como? Possivelmente, trata-se apenas de um chavão dele, para ele e seus companheiros não dizerem que não têm a menor ideia de como (ou intenção de) fazer algo que resolva minimamente o problema.”
Como resolver o problema?
Independente das opiniões conflitantes, fica claro que existe um problema relacionado aos juros bancários e que ele terá de ser enfrentado pelo próximo presidente. Para Tinoco, um elemento central da formação dos juros bancários que deverá ser combatido é a inadimplência.
“Como se reduz a inadimplência então? Como já disse anteriormente, melhorando as garantias, melhorando a lei de recuperação judicial, reduzindo a assimetria de informação. Ou seja, diminuindo o risco de crédito em geral. O governo vem tentando atacar essa agenda há bastante tempo. Tem a criação do cadastro positivo, a questão dos distratos no crédito imobiliário, a duplicata eletrônica. Todas elas se somam para melhorar o ambiente de crédito”, diz.
O economista completa: “Obviamente, também é importante atuar sobre outros componentes do spread, como custos administrativos e margem de lucro. Para esse último, mais uma vez, tem que se estimular a concorrência, mesmo que isso não signifique necessariamente o aumento no número de atores, como falado anteriormente. ”
Já Strachman, o caminho é a utilização dos bancos públicos para forçar a queda dos juros, como cita que já aconteceu com sucesso anteriormente.
“Após a crise de 2008, o Governo Lula instruiu a Caixa e o Banco do Brasil a emprestar a juros mais baixos – mas muito elevados, ainda, para padrões internacionais – enquanto os bancos privados, nacionais e internacionais, como sempre, em uma crise, se retraíram. Mas estes dois bancos públicos, então, mantiveram sua lucratividade, ganharam parcela de mercado e os bancos privados tiveram que os imitar. E as lucratividades de todos se mantiveram elevadas, pois se perderam nos mark-ups (digamos, no lucro unitário), ganharam nas quantidades emprestadas, em algo mais ou menos assim: lucro unitário x quantidade”, afirma.