Demissão em massa: entenda como funciona e como garantir seus direitos
(Getty Images)
Especialistas respondem 16 perguntas sobre demissão em massa;
Entenda como funciona o processo e quais os direitos e deveres do trabalhador;
Saiba o que fazer caso a empresa não pague, o que acontece com banco de horas, entre outros.
Não tem sido raro encontrar notícias sobre demissões em massa. Somente em junho deste ano, empresas como Netflix, Shopee, Ebanx e diversas startups anunciaram grandes cortes nos quadros de funcionários, aumentando as incertezas econômicas do período.
Em meio a essa onda, é natural que surjam dúvidas sobre: Como funciona a demissão em massa? Qualquer funcionário pode ser incluído? Quais os direitos dos trabalhadores dispensados? O que fazer caso a empresa não pague o que deve?
Para responder a essas e a outras questões, o Yahoo Finanças conversou com César de Oliveira, da PMF Advogados e membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB São Paulo, e com Marcio Nissim, advogado e gerente jurídico da TMKT, que também tira dúvidas sobre direitos e processos trabalhistas no Instagram para mais de 162 mil seguidores. Confira:
Existe um número mínimo de trabalhadores que devem ser demitidos para que se configure demissão em massa?
César: Isso não está previsto na lei, mas existe um entendimento que considera demissão em massa um corte de 10% do quadro de empregados. Mas é um conceito meio vago, porque o que acontece: Se a empresa tem 20 empregados, 10% são apenas dois, isso não vai ser uma demissão em massa. Geralmente o processo acontece com empresas de médio a grande porte, que tenham no mínimo 100 empregados. Em contrapartida, não há um número máximo, a empresa pode demitir todos os trabalhadores de uma vez só, como aconteceu com a Ford e Toyota.
Está previsto na lei que a empresa pode desligar vários funcionários de uma só vez?
Não há nenhum impeditivo na lei para isso. No entanto, César de Oliveira ressalta que o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão, em 8 de junho, que faz com que os sindicatos devam ser avisados previamente.
César: A decisão não precisa de autorização do sindicato, mas é um respaldo a mais para o trabalhador. Porque o sindicato vai tentar uma negociação amigável [para tentar achar uma alternativa e evitar a demissão] e negociar outros benefícios, como cesta básica por tanto tempo, um salário a mais... A decisão final é da empresa, se o sindicato pede 12 meses de cesta básica para os demitidos e a companhia diz que vai dar dois, não tem o que fazer. Mas o sindicato também faz com que a empresa cumpra o que prometeu, não fique só no boca a boca. Na prática, ainda se negocia uma estabilidade para os funcionários que ficam, para que no próximo mês não saiam mais cinco, no outro mês outros cinco, para tentar descaracterizar a demissão em massa.
A empresa precisa de algum motivo específico para realizar demissões em massa?
Marcio: Não precisa de um motivo específico, mas pode sim ser questionada, principalmente pelo Ministério Público (MP).
Como a empresa justifica essa demissão em massa?
Marcio: Importante lembrar que a demissão não ocorre só quando a empresa está em dificuldades financeiras, mas também quando há fusão, aquisição – uma empresa compra a outra e aquelas pessoas não servem mais para aquela linha de trabalho, por exemplo – ou quando ela fecha, tipo a Ford.
Os colaboradores demitidos precisam ter algo em comum ou podem ser de diferentes áreas, cargos, salários e hierarquias?
Marcio: Pode ser diferente, vai de acordo com a necessidade da demissão em massa. Se for uma demissão por conta de falência, por exemplo, abrange todos os departamentos. Se for por conta de fusão ou aquisição, abrange penas alguns departamentos, como uma área de produção. Pode englobar tudo ou não, pode ser pontual ou não.
O funcionário pode ser reintegrado à empresa? Em quais situações?
César: Quando não tem negociação com o sindicato, pode haver esse pedido de reintegração e a empresa pode ter problema com isso. Com o entendimento do SFT, tem que negociar para evitar esse tipo de pretensão do sindicato por reintegração. Uma demissão coletiva deve observar os requisitos de estabilidade previstos em lei, e funcionários que se sentirem lesados vão no sindicato, o sindicato analisa a situação e entra com pedido de reintegração na Justiça. Pode ter um dissídio coletivo também [que expressa os interesses de toda a categoria]. Vale destacar que a reintegração é imediata em falta de negociação com o sindicato.
Quais direitos os funcionários demitidos em massa possuem?
Os mesmos direitos de um funcionário demitido individualmente:
Aviso-prévio indenizado ou trabalhado;
13º salário proporcional;
Férias proporcionais acrescidas de um terço;
Multa de 40% do FGTS;
Saldo de salário;
Liberação das guias para o saque do FGTS.
Marcio acrescenta que "o aviso-prévio pode ser indenizado ou trabalhado, mas existe a obrigatoriedade de trabalhar os 30 dias, se a empresa determinar. Se a pessoa se recusar, pode ter o valor descontado. Se tiver requisitos legais, pode entrar também o seguro desemprego e é possível adicionar outros benefícios, como bônus, premiação e PLR (Participação nos Lucros e Resultados). No caso de plano de saúde, só pode manter por mais tempo se o empregado tiver coparticipação. Se a empresa custeava 100%, não tem como manter [como um benefício a mais]".
Caso o funcionário não receba o que tem direito, o que ele pode fazer?
De acordo com Marcio:
"Ele tem que recorrer na Justiça do Trabalho, entrar com ação judicial requerendo pagamento das verbas rescisórias, com juros e correção. Cabe também pedido de indenização por danos morais, já que o funcionário participou de uma demissão coletiva e não recebeu nada. Se o processo cujo valor da causa é de até 20 salários mínimos, não precisa de advogado. Acima disso, precisa".
Caso a empresa tenha falência decretada, os funcionários perdem seus direitos?
César: O empregado vai receber os bens que são oriundos da massa falida, pois têm preferência sob os créditos. Funciona assim: a empresa faliu, não conseguiu pagar os salários dos funcionários. Então se arrecada os bens dela, como terreno, maquinário, direitos sob marca, e vende por meio de leilões. Com o dinheiro, paga-se os trabalhadores, que são os primeiros a receber, e os credores. Mas isso demora, os valores têm que ter correção monetária e juros.
Quais funcionários não podem entrar na demissão em massa?
Têm estabilidade os trabalhadores:
Afastados pelo INSS (em caso de acidente de trabalho ou doença ocupacional, que já voltaram a trabalhar ou não);
Gestantes;
Mulheres que sofreram aborto espontâneo;
Integrantes da CIPA;
Funcionário em pré-aposentadoria (faltando de 12 a 24 meses);
Funcionários de férias.
Marcio faz um esclarecimento: "Não é que a pessoa não pode ser demitida, ela pode. Mas a demissão tem que ser acompanhada pelo sindicato e a empresa tem que indenizar o período estabilitário dessa pessoa. Por exemplo: se ela foi afastada pelo INSS, tem 12 meses de estabilidade. Vamos supor que ela voltou a trabalhar há 6 meses e aí foi demitida. Tem mais 6 meses de estabilidade faltando, que precisam ser indenizados, em dinheiro. Importante pontuar que afastamento por doença comum não tem estabilidade. Já quem está de férias e é demitido ainda nas férias, precisa receber algum valor a título de indenização."
O funcionário demitido em massa tem algum dever para com a empresa?
Marcio: A princípio, a meu ver, não. Depende muito do que for acordado. A única coisa é, se for pedido o aviso-prévio trabalhado, precisa cumprir.
Se a empresa demitir em massa, devido a altos salários, por exemplo, e logo em seguida abrir vagas para os mesmos cargos, esses trabalhadores que foram dispensados podem entrar com alguma ação?
Marcio: Se a empresa demitiu uma galera com salários altos e pagou todos os direitos, ela não está sendo lesada financeiramente. Mas moralmente pode se sentir lesada, porque tinha emprego e a empresa abriu um dumping de mercado para contratar pessoas com salário menor. Pensa na seguinte situação: você ganha R$ 10 mil e tem mais gente que ganha isso. A empresa demite 20 pessoas e contrata outras 20 por R$ 5 mil. Existe um dano moral, a meu ver. Você não fez nada para perder o emprego, por mais que a empresa tenha o poder de demitir o empregado, gera um constrangimento, uma das características do dano moral. O Ministério Público pode vir para cima da empresa, mas é uma questão que abre brecha para várias interpretações.
Nesse caso, o ex-empregado ganha algum valor?
Marcio: Se for uma ação civil pública, proposta pelo Ministério Público, ele reverte esse valor para instituições, programas de alimentação... O que se pode fazer, paralelamente, é cada um dos empregados que se sentiu constrangido entrar com uma ação pedindo indenização moral ou entrar com uma ação coletiva junto ao escritório de advocacia.
O que acontece caso alguns dos trabalhadores demitidos em massa possuam banco de horas?
Marcio: Em uma demissão normal, se tem banco positivo, a empresa tem que quitar. Caso o banco seja negativo, a empresa pode descontar, não 100%, mas até uns 30% é razoável. Mas uma demissão em massa - pelo meu entendimento, e isso varia de advogado para advogado e juiz para juiz - foi uma demissão involuntária por parte do empregado. Ele não teve intenção de que aquilo acontecesse. Se o banco dele é negativo, a meu ver a empresa não deveria descontar. A previsão legal diz que pode, mas eu não recomendaria, porque não seria justo, já que está indo uma leva de funcionários, e porque a empresa pode ter problemas futuros. Se quer descontar de qualquer jeito, recomendo 10%.
A empresa pode alegar uma demissão em massa por justa causa?
Marcio: No artigo 482 da CLT tem todas as alinhas que justificam a justa-causa. Se essa coletividade se enquadrar em algum deles, a empresa pode sim ter demissão em massa por justa-causa. Por exemplo: 10 empregados cometeram fraude financeira e desviaram dinheiro. Todos em conluio. É justificável.
Caso a empresa possua vários colaboradores PJ, pode dispensá-los de uma só vez? Isso configura demissão em massa?
Marcio: A relação do PJ com a empresa é de trabalho, não de emprego. É prestação de serviços, o PJ não é empregado da empresa. Então a companhia não demite o PJ, ela rescinde o contrato. Ela vai ter que cumprir o que foi acordado no contrato de prestação de serviços, por exemplo: eu contratei um PJ e tem uma cláusula que diz que tem que avisar 30 dias antes de rescindir o contrato. Já outro contrato prevê 60 dias de antecedência. A empresa vai seguir a cláusula ou pagar multa. Se houver uma retirada de todos os PJ da empresa, precisa, individualmente, rescindir o contrato de cada um deles e cumprir as cláusulas específicas de cada um.