Continuidade na economia: um dos desafios que coloca o Brasil na crise

Agência Brasil
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Por Gabriel Oneto

Em 2014, a então presidente da República, Dilma Rousseff, disputou a reeleição. O seu mandato decepcionava na área econômica. O PIB apresentava um crescimento modesto e a dívida pública e a inflação mostravam sinais preocupantes de descontrole, o que levou muitos analistas, especialmente economistas com um perfil mais ortodoxo e liberal, a prever uma crise que acabou se concretizando.

Quando eleita para o primeiro mandato, em 2010, Dilma prometeu que o PIB continuaria se expandindo fortemente, mas os resultados não foram os esperados. Enquanto o Presidente Lula, seu antecessor e principal cabo eleitoral, teve a melhor média de crescimento do PIB, com 4,0% no seu segundo mandato, o primeiro governo Dilma obteve a segunda pior média, com aumento de 2,2%, superando apenas a média negativa de –1,29%, de Fernando Collor.

“A gestão Dilma foi catastrófica na área econômica. Claro que ela pegou um país com graves falhas estruturais, mas que vinha com uma certa oxigenação. O problema é que ela se cercou de pessoas desqualificadas”, avalia o economista Fernando Balbino Botelho, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, FEA/USP.

O professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, EESP/FGV e economista Felippe Serigatti também observa falhas na política econômica: “Há diversas evidências de que o resultado gerado por essas políticas ficou bem aquém do desejado. Na realidade, há vários analistas que afirmarão que a política econômica da época foi muito ruim e uma das principais raízes da recessão pela qual passamos entre 2015 e 2016”.

Ao longo do seu primeiro governo, a presidente seguiu uma linha econômica “Nacional-Desenvolvimentista”, chamada de “Nova Matriz Econômica”, do qual dois dos principais idealizadores estavam na sua equipe: o Ministro da Fazenda, Guido Mantega e o Secretário do Tesouro, Arno Augustin. Essa política econômica considerava fundamental a presença forte do Estado na economia para gerar crescimento. Durante esse período, a administração estimulou o crédito abundante e com juros subsidiados, a expansão fiscal, com estímulos e subsídios para empresas e o controle da taxa de câmbio, para assim favorecer a produção local. Para os críticos, essa política é, na prática, um abandono ao Tripé Macroeconômico e à Lei de Responsabilidade Fiscal.

Segundo Botelho: ” Essa política econômica da Dilma lembra muito aquela do periodo do General Ernesto Geisel, durante a ditadura, que nos levou a uma crise profunda. Parece que eles testaram um conceito do economista Mario Henrique Simonsen, o da ‘Contra Indução’, onde se uma experiência deu errado 1000 vezes, na 1001 primeira vai dar certo. Não foi o que aconteceu, o resultado foi o mesmo.”

O Tripé Macroeconômico foi implementado por Fernando Henrique Cardoso e mantido ao longo dos anos Lula. Ele consiste em uma política em que o governo deve manter a inflação dentro de uma meta definida pelo Banco Central; o câmbio deve correr livremente, de acordo com as regras de mercado e as contas públicas devem estar controladas.

Durante a campanha eleitoral de 2014, os dois principais adversários da petista, o tucano Aécio Neves e a candidata do PSB, Marina Silva (Que substituiu Eduardo Campos após este falecer em um acidente aéreo), denunciavam a insustentabilidade dessa política e apontavam a necessidade de mudanças profundas. Também alertavam para a questão dos subsídios aos combustíveis e à energia- métodos para segurar a inflação- que estariam quebrando a Petrobras e a Eletrobrás e que deveriam ser diminuídos, ou mesmo eliminados.

O plano de governo de Dilma Rousseff para a reeleição, no entanto, não propunha mudanças em relação às políticas que muitos consideravam esgotadas. Não só as defendia como propunha aprofundá-las. Com 42 páginas, o documento faz uma defesa enfática dos anos em que o PT governou o país, ressaltando o que havia sido feito, mas sem quase citar o que se pretendia fazer. Para o professor da FEA/USP, o economista David Turchick, o plano apresentado não poderia receber essa denominação: “Discordo fundamentalmente de que a chapa Dilma/Temer tinha um plano de governo, já que em seu programa quase só se mencionava o passado. E talvez não ter um plano tenha sido a estratégia eleitoralmente acertada.” E completa Turchick “Este ‘plano’ falava só sobre o passado e não sobre o futuro.”

O economista e professor do Departamento de Economia da UNESP de Araraquara, Eduardo Strachman, tem uma visão contrária e considera que o plano era viável: ” Sim, era, ainda que não fosse muito claro, assim como nenhum plano de governo é. Mas ela preferiu tentar fazer o que o ‘mercado’ (seja lá o que signifique esta palavra ‘mercado’, neste sentido) e os políticos conservadores queriam e seguir uma política ortodoxa. Deu no que deu”.

Embora o governo alardeasse o sucesso das políticas realizadas até aquele momento, pouco antes da eleição Dilma anunciou que Guido Mantega, o principal idealizador e responsável por essas implementações, não continuaria no Ministério da Fazenda em um 2° mandato. Já há algum tempo Mantega havia perdido a confiança do mercado. Ainda em 2012, a conceituada revista econômica britânica “The Economist”, defendeu a demissão do ministro: “Ela (Dilma) deveria demitir Mantega, cujas previsões excessivamente otimistas perderam a fé dos investidores, e indicar um novo time capaz de restabelecer a confiança dos negócios.”, afirmou a publicação em editorial.

O resultado do 2° turno da eleição presidencial de 2014 foi o mais apertado da história. Candidata à reeleição, a petista Dilma Rousseff, teve 54 501 118 votos, que em porcentagem valeram 51,6% dos votos válidos no segundo turno. O seu adversário, o senador tucano Aécio Neves, conseguiu 48, 3% dos votos válidos, com 51 041 155 do total de votos. A eleição também foi a mais cara da história com 5 bilhões de reais gastos no total. A candidata vencedora da eleição presidencial gastou sozinha 318 milhões de reais em recursos declarados ao TSE.

Wilson Dias/Agência Brasil
Wilson Dias/Agência Brasil

A virada na política econômica

A escolha do seu novo Ministro da Fazenda foi na contramão da promessa de manter a política econômica do primeiro mandato. No dia 27 de novembro de 2014, após mais de um mês da eleição, foi anunciada a escolha de Joaquim Levy para o cargo. O ex-Diretor-Superintendente do Bradesco teve passagem pela Secretaria do Tesouro no primeiro mandato de Lula, quando o Ministério da Fazenda era comandado por Antônio Palocci, e foi Secretário da Fazenda do Rio de janeiro na gestão de Sérgio Cabral, do PMDB. Levy fez doutorado em economia na Universidade de Chicago, um centro de difusão do pensamento liberal, que critica políticas intervencionistas e de estímulo fiscal e monetário tão defendidas pela presidente e sua equipe econômica na sua campanha e gestão.

Para o professor Fernando Balbino Botelho, a presidente não tinha o que fazer: “Ela mentiu durante a campanha, o que ela prometeu não era factível, tanto que o Brasil sofreu a pior crise de sua história graças à sua política econômica. O Joaquim Levy era alguém bem-intencionado, só que não teve apoio do próprio partido da presidente para fazer as reformas”

Logo ao assumir, o novo Ministro da Fazenda passou a implantar uma política de ajuste fiscal das contas públicas. Medidas provisórias, depois convertidas em leis, modificaram as regras para a obtenção do Seguro-Desemprego e de benefícios previdenciários. Preços que estavam congelados, como os do combustível e da energia, sofreram reajustes, assim como a carga tributária. Levy chegou inclusive a criticar publicamente a desoneração da folha de pagamento que o governo propôs ampliar durante a campanha em um segundo mandato: “Essa brincadeira nos custa 25 bilhões por ano, e estudos mostram que ela não tem criado e nem protegido emprego”, afirmou o ministro em coletiva. A presidente não gostou da fala de Levy e o repreendeu publicamente.

Para Felippe Serigatti, Levy não teve o apoio necessário. “Infelizmente, para um observador externo ao governo, parece que apenas o Ministério da Fazenda estava lutando para colocar a situação macroeconômica em equilíbrio. Diversas outras pastas, inclusive a Casa Civil, não pareciam colaborar com esse processo.”, afirmou o professor da FGV.

O ano de 2015, o primeiro do 2° mandato de Dilma Rousseff, foi muito duro para a economia brasileira. A crise se intensificou. A inflação fechou o ano em 10, 67%, bem acima do teto da meta de 6, 5% e a maior desde 2002. A taxa de juros fechou o ano em 14, 25%, a maior desde agosto de 2006. O desemprego também veio com força. De 2014 para 2015, teve um crescimento de 38%, segundo o IBGE. O número de desempregados passou dos 10 milhões, com cerca de 2,5 milhões de trabalhadores que perderam o emprego somente em 2015. Por causa da crise e da dificuldade em aprovar um ajuste fiscal, o país também perdeu o grau de investimento das três principais agências de classificação de crédito: Fitch, Moody’s e Standard & Poor’s.

Joaquim Levy não completou um ano no cargo. Com falta de apoio político, dificuldade de aprovar o ajuste fiscal e recebendo críticas públicas de membros do governo, pediu demissão. Em 18 de dezembro, foi substituído por Nelson Barbosa, que era o Ministro do Planejamento, alguém mais alinhado com o projeto “nacional-desenvolvimentista”. Se o tempo de Levy no Ministério foi curto, o de Barbosa foi mais ainda. Com o afastamento de Dilma Rousseff no processo de impeachment, no dia 12 de maio de 2016, o presidente em exercício, Michel Temer, o substituiu por Henrique Meirelles, que foi presidente do Banco Central durante os governos Lula.

Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Temer na presidência e Meirelles na Fazenda

Com passagens pelo Banco Central e pela presidência global do Bank Boston, Henrique Meirelles era o queridinho do mercado. Como linha de atuação no Ministério da Fazenda, ele adotou o documento “Uma Ponte para o Futuro”, de autoria da Fundação Ulysses Guimarães do PMDB, em 2015, época em que era presidida por Moreira Franco. Este plano, de viés mais liberal, propunha a manutenção dos gastos públicos sob controle, a retomada do Tripé Macroeconômico, um programa de privatização e concessões, além de defender a necessidade de uma reforma trabalhista e da previdência.

‘Uma Ponte para o Futuro’ é um bom receituário, feito por pessoas muito capazes. Tem propostas importantes, como a do Teto de Gastos e de uma reforma de previdência e tributária, que o Brasil precisa muito”, afirma Botelho. Serigatti concorda: “É um ótimo guia sobre as reformas que o Brasil precisa fazer.”

Com grande apoio no congresso no primeiro ano de seu mandato, antes da delação da JBS, o presidente Temer conseguiu aprovar a chamada “PEC do Teto dos Gastos”, que impôs um limite ao crescimento total dos gastos públicos, aprovou uma lei que regulamenta o trabalho dos terceirizados e mudanças na CLT, como o fim da obrigatoriedade do imposto sindical e a prevalência de acordos coletivos sobre a legislação.

Para o professor da UNESP, Eduardo Strachman, no entanto, essa política econômica só piorou a economia, num processo que começou com a escolha de Levy para a Fazenda: “A política econômica piorou, desde o impeachment, continuando cada vez mais o que foi inaugurado desastrosamente por Dilma e por Joaquim Levy, a partir de início de seu 2° governo”, completa Strachman.

Serigatti discorda, e vê avanços na política econômica no período: “A condução foi muito boa. Na realidade, pessoalmente, acredito que foi a melhor área do governo. Porém, a equipe econômica conseguiu produzir resultados robustos enquanto o governo tinha capital político. Infelizmente, após o vazamento da delação do Joesley Batista, o capital político do governo se esgotou rapidamente. Apesar disso, esse ano mesmo, a equipe econômica tem realizado ajustes importantes, como Duplicata Eletrônica e o Distrato Imobiliário.”

Para Fernando Balbino Botelho, da FEA/USP, a política da gestão Temer teve um avanço incontestável que foi o controle da inflação: “Com essas políticas, a inflação saiu do descontrole e hoje está em 3,5%. O crescimento, muito pequeno ainda, mas já melhor que a pior recessão da história legada pela Dilma, com o PIB tendo queda de 3,5%.”

Não é possível afirmar ao certo o que teria acontecido com a economia brasileira se Dilma Rousseff tivesse seguido em um segundo mandato o receituário do primeiro. Para Strachman, o plano poderia dar certo sim. Segundo ele, a escolha de Levy para a Fazenda “foi um desastre completo” e o início da crise que afeta o país até hoje. Botelho tem uma visão bem oposta. Acredita que a continuação daquela política deixaria a economia em frangalhos, com uma recessão anual de 3,5% de média e uma inflação de 40% ao mês, o que para ele levaria ao caos social e o país para uma situação bem mais difícil do que a atual.

Felippe Serigatti avalia que a situação da economia está melhor com Temer do que estaria com Dilma e vê na capacidade de articulação de Temer o grande trunfo do seu governo; “A gestão da política econômica era inferior à atual e a capacidade de coordenação da Dilma, na minha opinião, era menor do que a do Temer, mesmo nos dias atuais”.

Diante de tantas reflexões diferentes, resta uma unanimidade: a situação econômica seria diferente caso a política econômica do Plano de Governo de Dilma Rousseff, o da campanha vencedora, fosse implementada.