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Como deve ser o 'novo normal' no trabalho em 2022, segundo especialistas

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Funcionária de máscara
FuncionĂĄria de mĂĄscara

Estamos entrando no terceiro ano de uma pandemia que trouxe mudanças sem precedentes para o mundo do trabalho.

Apesar das esperanças de muitos trabalhadores, o retorno ao trabalho presencial em tempo integral parece muito pouco provåvel, à medida que a variante Îmicron posterga os planos de retorno ao escritório de milhÔes de trabalhadores. E, considerando a forma como o mercado de trabalho atual aumentou o poder dos funcionårios em muitos países, as estruturas de trabalho pré-pandemia provavelmente ficarão no passado.

Embora pareça certo que isso vĂĄ acontecer, pouco ainda se sabe sobre como se darĂĄ a evolução do ambiente de trabalho em 2022. Nesta mesma Ă©poca no ano passado, muitas pessoas esperavam que 2021 trouxesse um certo grau de estabilidade, talvez atĂ© o lento desenvolvimento do trabalho hĂ­brido. Mas o surgimento de novas variantes do vĂ­rus impediu esses desdobramentos — e essa situação pode muito bem perdurar pelos prĂłximos meses.

Em meio Ă s atuais circunstĂąncias em constante mutação, Ă© difĂ­cil indicar onde poderemos nos encontrar daqui a 12 meses. Mas os especialistas que estudam emprego e ambiente de trabalho identificaram algumas tendĂȘncias que jĂĄ estĂŁo moldando a forma como estaremos trabalhando em 2022 — e podem ser apenas uma janela para o futuro da vida no escritĂłrio.

Semanas de trabalho mais curtas podem ser adotadas — mas poderão dividir trabalhadores

O anseio por semanas de trabalho mais curtas e menos horas de trabalho vem ganhando impulso em todo o mundo. Empresas e governos jĂĄ estĂŁo explorando essa possibilidade.

É necessĂĄrio reorganizar as estruturas do nosso tempo de trabalho, segundo Abigail Marks, professora de futuro do trabalho da Faculdade de Administração da Universidade de Newcastle, no Reino Unido. A semana de trabalho de 40 horas, das 9 Ă s 5, surgiu durante a Revolução Industrial — a Ășltima mudança dramĂĄtica do trabalho — mas nĂŁo Ă© mais sustentĂĄvel, segundo ela, devido ao "ritmo crescente de trabalho exigido pelos programas de videoconferĂȘncia e pela necessidade de presença online contĂ­nua".

Marks acrescenta: "as empresas e os legisladores estĂŁo dispostos a explorar medidas que possam reduzir a sobrecarga dos trabalhadores, esperando ainda manter esse aumento da produtividade. A solução constantemente mencionada [para isso] Ă© a semana de trabalho de quatro dias". E menos horas de trabalho podem significar melhor saĂșde mental e equilĂ­brio entre a vida e o trabalho para muitos trabalhadores.

Embora aparentemente haja esperança de que a semana de trabalho de quatro dias decole em 2022, segundo Marks, medidas como essa não serão estendidas a todos os trabalhadores. Ela ressalta que a mudança para semanas de trabalho mais curtas poderå beneficiar apenas alguns funcionårios.

Profissional higienizando as mãos
À medida que a pandemia entra no seu terceiro ano, a aparĂȘncia dos escritĂłrios e a forma como agimos dentro deles ainda nĂŁo se parecerĂŁo em nada com 2019

"A semana de quatro dias pode privilegiar um pequeno grupo de funcionårios administrativos, deixando de beneficiar muitos trabalhadores mal remunerados e com poucas qualificaçÔes que não terão a segurança contratual, nem o apoio financeiro, para trabalhar quatro dias por semana", afirma Marks. Pense, por exemplo, nos trabalhadores da årea de TI ou naqueles que ganham por hora, que talvez não possam reduzir suas horas de trabalho.

Marks está entre os especialistas que afirmam que será um desafio em 2022 lidar com a potencial desigualdade que será escancarada entre os que podem beneficiar-se com a flexibilidade e aqueles que não conseguem — especialmente quando os apelos por maior flexibilidade e menos horas de trabalho somente aumentam.

"Neste ano, poderemos ter mais divisÔes na sociedade", acrescenta ela. "Os funcionårios em alta procura, como cientistas de dados, e os trabalhadores com apoio governamental, incluindo servidores civis de alto escalão, [poderão ter] horas [de trabalho] reduzidas, enquanto os demais de nós ainda permanecemos sobrecarregados de trabalho."

Benefícios personalizados podem tornar-se a atração principal

"VocĂȘ se lembra da falta de mĂŁo de obra e das dificuldades para contratar em 2021 [em alguns paĂ­ses]? Elas irĂŁo permanecer em 2022", segundo Alison Sullivan, gerente sĂȘnior de comunicação corporativa do site de empregos Glassdoor. "Isso porque os fatores que causaram essa situação ainda estarĂŁo presentes — a pandemia, aposentados, pais que ficam em casa e [por outro lado] aumento das exigĂȘncias dos clientes que as empresas precisarĂŁo atender", afirma ela.

Isso significa que os empregadores podem precisar adotar tĂĄticas para contratar funcionĂĄrios — e mantĂȘ-los na empresa — diferentes das usadas no passado.

Anthony Klotz, professor de administração da Universidade A&M do Texas, nos Estados Unidos, que cunhou a expressĂŁo "Grande RenĂșncia" — a tendĂȘncia que levou um nĂșmero recorde de trabalhadores norte-americanos a deixar seus empregos durante a pandemia de covid-19 —, afirma que a personalização dos cargos poderĂĄ ser a chave para a satisfação — e retenção — dos funcionĂĄrios. "Em 2022, veremos empregadores atendendo melhor as necessidades e desejos dos funcionĂĄrios para manter seus trabalhadores atuais empenhados e atrair trabalhadores de melhor desempenho de outras empresas", afirma Klotz.

Isso não é apenas bom senso empresarial. A flexibilidade e a acomodação estão se tornando um privilégio que os trabalhadores esperam receber dos seus empregadores. "Esse desequilíbrio entre oferta e procura de trabalho significa que os funcionårios e os trabalhadores em busca de emprego possuem maior poder de pedir mais", afirma Sullivan.

Como resultado, as empresas desenvolverĂŁo "tĂĄticas personalizadas de gestĂŁo de pessoal", segundo Klotz. "Em vez de programas de desenvolvimento Ășnicos para todos, as empresas começaram a investir tempo e recursos na idealização de projetos de carreira personalizados em conjunto com trabalhadores especĂ­ficos".

Sullivan também menciona salårios maiores, crédito estudantil e expansão da licença-maternidade como possíveis benefícios que os empregadores podem agregar para atrair os talentos em 2022.

Outra personalização importante poderĂĄ ser a prioridade para a saĂșde mental dos trabalhadores individuais. Afinal, entre o burnout (esgotamento profissional) e o boreout (tĂ©dio no trabalho), cada vez mais trabalhadores estĂŁo dizendo "chega" e deixando seus empregos (ou pelo menos pensando em pedir demissĂŁo). "Mesmo os bastiĂ”es da cultura do alvoroço, como Wall Street, estĂŁo entrando em cena e introduzindo licenças sabĂĄticas", afirma Klotz.

Os trabalhadores nĂŁo retornarĂŁo para os mesmos escritĂłrios

Quando os primeiros trabalhadores finalmente retornarem ao escritório, seja em 2022 ou mais adiante, muitos encontrarão layout e funçÔes totalmente diferentes.

Nicholas Bloom, professor de economia da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, afirma que as empresas reconfigurarĂŁo seus espaços este ano para atender Ă s necessidades de uma nova força de trabalho hĂ­brida e ao verdadeiro anseio das pessoas quando se reĂșnem presencialmente: o de trabalhar colaborativamente.

Bloom, que estuda hĂĄ anos o futuro do ambiente de trabalho, afirma que o retorno para o trabalho presencial atĂ© agora tem sido confuso e desconfortĂĄvel. Ele conta que ouviu "histĂłrias de terror" de trabalhadores cujas empresas os convocaram de volta para o escritĂłrio — que incluĂ­ram, por exemplo, sentar-se em escritĂłrios meio vazios para participar das mesmas chamadas pelo Zoom que teriam em casa (e ver colegas fazerem o mesmo).

Em outras palavras, o escritório pré-pandemia não atende às necessidades dos funcionårios de 2022.

Como algumas empresas que desenvolveram modelos híbridos trazem certas equipes para o escritório no mesmo dia toda semana, Bloom afirma que a coordenação serå o mais importante em 2022 e que mais escritórios farão alteraçÔes permanentes de layout para possibilitar essa mudança.

Homem trabalhando em uma casa
Em 2022, os trabalhadores ainda reivindicarão a continuação dos horårios de trabalho flexíveis e das opçÔes de trabalho à distùncia que foram oferecidas a muitos deles durante a pandemia

"Os escritórios executivos no estilo [da série de TV] Mad Men estão em baixa", afirma Bloom. "Salas de reunião, cubículos à prova de som para chamadas de vídeo e acomodaçÔes abertas em forma de grandes saguÔes estão em alta."

Os trabalhadores "não gostam de ambientes intensos", acrescenta ele, e querem escritórios, elevadores e banheiros menos congestionados. "As empresas estão remodelando os escritórios para que sejam espaços sociais para funcionårios criativos. Elas querem facilitar as reuniÔes e oferecer interaçÔes tranquilas, com chamadas por Zoom ocasionais."

Mas uma coisa que pode não mudar como se previa é o tamanho real dos escritórios. Embora muitas pessoas previssem no início da pandemia que os escritórios depurariam seus caros espaços no centro da cidade, Bloom afirma que "o espaço dos escritórios não estå diminuindo, estå [isso sim] se alterando". Embora ele preveja que o trabalho remoto significarå 30% menos dias no escritório do que antes da pandemia, "as empresas estão reduzindo o espaço, em média, em 5%", segundo ele.

Mesmo que o custo do aluguel permaneça estratosfĂ©rico nos centros praticamente desertos das cidades, as empresas ainda querem que os trabalhadores utilizem esses escritĂłrios, especialmente porque o trabalho hĂ­brido provavelmente dominarĂĄ 2022. É "impossĂ­vel reduzir a pegada do escritĂłrio", afirma Bloom, mesmo com toda a desestabilização da vida no trabalho nos Ășltimos dois anos.

Caminho contĂ­nuo para o desconhecido

Apesar de todas as nossas melhores previsÔes, ainda hå muitas coisas que não sabemos.

Muitos analistas estavam prevendo um movimento de retorno ao escritĂłrio no inĂ­cio de 2021, quando as vacinas se tornaram mais amplamente disponĂ­veis — mas essa previsĂŁo continua sendo alterada. Variantes como a delta prolongaram as preocupaçÔes com a saĂșde pĂșblica e o trabalho remoto continuou. ReuniĂ”es no Zoom permaneceram o padrĂŁo diĂĄrio para milhĂ”es de trabalhadores em todo o mundo.

"DeverĂ­amos ter aprendido uma coisa fundamental nos Ășltimos dois anos: parar de procurar uma bola de cristal", afirma Kanina Blanchard, professora de administração da Universidade do Oeste em OntĂĄrio, no CanadĂĄ.

Embora alguns avanços pareçam mover-nos de volta para algum tipo de normal prĂ©-pandĂȘmico — como vacinas, novas medicaçÔes de combate Ă  covid-19 e perĂ­odos mais curtos de isolamento obrigatĂłrio, com os funcionĂĄrios voltando ao trabalho mais rapidamente —, todos nĂłs sabemos que Ă© impossĂ­vel prever o futuro. E a chegada da variante ĂŽmicron acentuou isso ainda mais, pois ela nos fez lembrar que tudo pode mudar em um piscar de olhos.

É por isso que os especialistas afirmam que Ă© melhor manter expectativas baixas em 2022 — e, enquanto isso, prosseguir caminhando rumo ao que achamos que serĂĄ o "normal". "Precisamos disso, mesmo com a falta de consistĂȘncia e previsibilidade", afirma Blanchard. "Sabemos que iremos começar, parar e iniciar de novo."

Para ela, o certo Ă© que os interesses da saĂșde pĂșblica continuarĂŁo a dominar a agenda em 2022. E tambĂ©m temos outra certeza: "que a vida serĂĄ maluca e confusa", conclui Blanchard.

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